O anarquismo é uma ideologia socialista e revolucionária que tem mais de 150 anos e responsável em diversos países pela difusão de estratégias de organização e resistência da classe trabalhadora. Direitos sociais históricos que (8h de trabalho, férias, proibição do trabalho infantil) hoje estão sendo golpeados e que foram conquistados com muita luta popular. Em toda essa trajetória destaca-se no início das três primeiras décadas do século XX, a participação dos anarquistas na formação de sindicatos, ateneus, centros de cultura e a produção de uma imprensa militante. Em toda essa rica trajetória, o anarquismo foi alvo de repressões brutais, especialmente pelos governos da América Latina, que fuzilaram, reprimiram, encarceraram e deportaram os/as libertários/as.
Ligados à movimentos populares e lutas sociais amplas, o anarquismo sempre esteve no cenário político em menor ou maio grau, mas desde o fim do anos 90, a mídia corporativa ressuscita velhos estereótipos e caricaturas que possuem o intuito de apresentar o anarquismo como sinônimo da “violência pela violência”, do “extremismo” (supostamente comparável ao nazismo) ou em último caso, como terrorismo. Desde que a ex-presidente Dilma assinou a Lei anti-terrorismo, vinculado aos tratados internacionais que sofrem contínua pressão dos EUA, operações “espetaculosas” e cheias de pirotecnia vem ganhando forma em subsequentes ataques ao direito de protesto. Enquanto os olhos da mídia corporativa e dos aparato policiais estão voltados para um suposto “ataque a propriedade privada” cometidos por anarquistas, direitos sociais históricos são rifados e o genocídio da população negra e pobre não incomoda os jornalistas afinados com os de cima.
No Brasil, tal operação é fortalecida pela ação da polícias civis que sob controle de diferentes governos (de centro-esquerda ou de direita) invadiram a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG) em 2009, voltaram a invadir a sede da FAG em junho de 2013 e no dia de hoje (25) numa operação intitulada Érebo também cumprem mandado de busca e apreensão contra diversos outros espaços e ativistas libertários da cidade e contra a FAG. Cabe lembrar, que em 2013, dos 23 presos nos protestos do Rio de Janeiro, anarquistas foram processados/as e permaneceram detidos/as por meses, até sua soltura temporária (correndo o risco de ainda serem condenados/as). Em Goiás, a sombra do processo sobre 32 ativistas sociais que ocuparam a sede da Secretaria de Educação e Cultura do Estado ainda paira, evidenciando o arbítrio estatal. E o que falar da atuação de William Pina Botelho, o “Baltazar”, codinome de um capitão do exército que simplesmente se infiltrou num grupo de whatsapp de estudantes para armar uma prisão em flagrante. Os estudantes foram acusados de de associação criminosa e corrupção de menores. Seu delito? Participar de uma manifestação – diga-se de passagem pacificamente – ao lado de um infiltrado do exército.
Os casos são diversos e envolvem não apenas anarquistas, mas militantes sociais de diferentes matizes políticas inseridos em movimentos comunitários, sindicatos, favelas, movimentos rurais e estudantis. Com a crescente judicialização da política e o acordo tácito entre poder judicial e poder midiático, tal comportamento acusatório é sistematicamente dirigido a militantes sociais e membros de organizações à esquerda do espectro político tradicional. É a velha estratégia de acuar politicamente e deixar na defensiva os setores críticos ao atual regime.
Pirotecnia e espetacularização
Depois da operação, o delegado Paulo César Jardim apresentou de maneira pirotécnica, livros e camisas como suposta prova do suposto crime. Mais uma vez a polícia reedita velhas fórmulas do início do século, onde bastava ser ou portar material anarquista para ser condenado, ou na época, deportado, como na lei Adolfo Gordo (1907) de expulsão dos anarquistas. Mais uma vez os governos locais tratam a questão social como caso de polícia e se dedicam a violentar os/as de baixo.
De maneira ridícula e beirando as raias do teatro bufão a polícia apresenta garrafas pet’s (de refrigerantes usados) com sacos plásticos dentro (forma muito conhecida de fazer reciclagem) e os jornais midiáticos (como o Zero Hora) correm para afirmar que era um “material usado para fabricar coquetel molotov”. Livros em outros idiomas são apresentados pela polícia como “prova” de articulações internacionais e “prova” do delito. Tal procedimento não é inédito e está inserido no avanço da nebulosa conservadora, que atribui como “ideologização” discussões de gênero na sala de aula mas deixa impune, um deputado federal que faz defesa pública da tortura e comemora o pesadelo do regime militar brasileiro.
A repressão ao anarquismo não é um acaso
Com menos de 3% de aprovação, destruindo todos os direitos sociais e mais uma vez, livre da abertura do processo político, o governo Temer sabe que não tem nenhuma legitimidade entre os/as trabalhadores. Reprimir o anarquismo nesse contexto está dentro da política de “segurança interna”, já inscrita na doutrina de segurança nacional (atualizada depois dos mega-eventos) das forças armadas e forças policiais. Essa doutrina sabe que a privatização selvagem, o corte nos direitos dos trabalhadores e a situação de aprofundamento da desigualdade social pode fazer explodir uma nova onda de contestação nas ruas.
Ao reprimir parte dos militantes que desde 2013 vem se dedicando a fortalecer e construir lutas à favor de direitos sociais, os aparatos da repressão policial se antecipam e mandam um recado a todo o conjunto de lutadores. Há de maneira evidente, desde o fim de 2013, uma escalada conservadora, operada por um conjunto de atores políticos que desejam impor um modelo econômico e político que aprofundará ainda mais o quadro de barbárie social. Arrumar bodes expiatórios nesse contexto faz parte da tática de distração e dissimulação. Que o conjunto da esquerda não se engane em suas intermináveis polêmicas internas e nem retroceda. Colocar o anarquismo nas cordas é mais um capítulo da ação combinada do estamento togado, associado a políticos mafiosos e ao aparato repressivo em calar os lutadores sociais e aprovar as reformas neoliberais que a classe dominante e o imperialismo desejam.
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