Decidi me juntar ao YPJ (Unidades de Proteção das Mulheres) em 2013. Desde o início, a partir de Rimelan até Derik, Tel Kocer, Sere Kaniye, Manbij, Shengal, até chegar agora em Deir Ezzor passei por cada estapa da campanha. O que eu me lembro na guerra contra o ISIS é da nossa vontade em levantar-se, do nosso desejo de vida e nossa conexão como companheiras.
Aqui em Rojava (Curdistão sírio) muitas mulheres não podem viver em dignidade por causa da abordagem feudal de suas famílias, mas quando tomei a decisão de me juntar ao YPJ, minha vida mudou para sempre.
Essa decisão demonstra que as mulheres podem ocupar seu lugar na luta pela libertação. Para uma garota curda, que não pode falar em sua própria casa sobre a defesa de seus direitos, isso é realmente significativo. No começo, minha família temia que nossa luta acabasse nas mãos do inimigo e que eu fosse densonrada, mas depois de um tempo eles ficaram orgulhosos de mim ao verem como lutei.
Seis anos é muito tempo. Estávamos constantemente no meio da guerra e do derramamento de sangue e, como mulheres, isso foi uma educação para nós que tivemos uma visão diferente e mais ampla da vida. Cada passo que demos juntas foram como os de uma criança que aprende a andar até que possa ficar de pé com suas próprias pernas. A camaradagem dentro do YPG (Unidades de Proteção do Povo) e do YPJ é muito forte.
A
primeira vez que o ISIS nos atacou, comecei a pensar: “Talvez
não vamos conseguir lutar contra esses inimigos e podemos morrer
aqui.”
Mas aqueles momentos nos fortaleceram. Depois
de passarmos por essas dificuldades e vencermos, minhas colegas de
classe ficaram animadas sorrindo e falando sobre o que fizeram, então
senti que poderia continuar e tive a certeza de que passo a passo
seguiria adiante.
A
primeira vez que vi um cadáver também não foi fácil, embora fosse
de um inimigo, ele também era humano. Mas, dada a maneira como o
ISIS lutou contra nós, foi necessário nos defendermos.
Eles
nos forçaram a atacar em autodefesa contra as forças de ocupação
que estavam destruindo nossa sociedade. O ISIS sujou o nome do Islã,
sujou o nome da religião e enganou as pessoas.
Os
jihadistas pensavam que se fossem mortos pela mão de uma mulher
iriam para o inferno, quando ouviram nossas vozes lutando contra
eles, escaparam.
Eu me lembro de alguns momentos felizes
também. Nós tivemos uma missão na qual eu tive que libertar uma
aldeia onde o ISIS punia as pessoas, todos os dias eles executavam,
torturavam e puniam mulheres. Diziamos que não nos importava quantas
pessoas tenham sido martirizadas, nós tínhamos que livrá-las do
ISIS.
Como foi possível comprovar, conseguimos. Havia uma
grande área de atuação deles na aldeia onde subimos até o topo.
Nossos parceiros foram primeiro e colocaram a bandeira do YPG, depois
levantamos a do YPJ no mesmo lugar. Nós estávamos brincando e
discutindo até que no final dissemos “Ok, podemos colocar as
duas”.
Mas os momentos mais felizes foram quando
avançamos juntos, capturando os territórios do ISIS e conquistando
a vitória, eu tenho muitas lembranças assim.
A guerra
contra o ISIS em Rojava chamou a atenção de todo o mundo, nunca
houve nada parecido na história. Mulheres e homens lutaram e viveram
juntos de maneira ética provando que não é só no casamento que
podem se unir. Nós podemos nos unir, lutar e resistir contra os
ataques.
Contra nossos inimigos e sua ideologia, a guerra
nunca terá fim. Em particular, estamos sempre lutando pelas mentes
das pessoas, mas fomos capazes de derrotar a moral de uma força como
a do ISIS, que realizou uma guerra tão desagradável, principalmente
contra as mulheres.
Em nome das mulheres, as libertamos de
um lugar escuro. Sob o domínio do ISIS uma menina de dez anos não
podia desfrutar sua infância, todas eram forçadas a cobrir suas
cabeças e negarem o direito à vida, agora foram libertadas.
A
coisa mais importante que alcançamos é que as pessoas podem viver
livremente com sua própria identidade, especialmente no que diz
respeito à organização política e à educação.
Quando
nós lançamos a campanha em Deir Ezzor liberamos algumas mulheres
que estavam nas mãos do ISIS. Conversamos com elas dizendo “Você
vê como as mulheres podem se levantar? Como podemos lutar pela
libertação? Como as mulheres árabes se tornam líderes?”
As
mulheres mais bonitas foram aquelas que se sacrificaram quando os
homens tentaram subjugá-las.
Perdemos tantas combatentes
e jovens, mulheres, crianças e famílias inteiras foram mortas.
Muitas pessoas foram queimadas vivas e decapitadas. Nós passamos por
muita dor para chegar a este ponto.
Isso terminou com o
ISIS sendo erradicado. Mas nossa guerra contra a opressão ainda não
acabou.
FONTE: Amara Şervan / The Independent / Tradução
e edição em castelhano: Kurdistan Latin America/ Tradução e
edição em português: Anelise Csapo.
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