“Arrastrar una masa inerte de carne y huesos no es vivir, es solamente vegetar.”
(Severino Di Giovanni)
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– Caçula de três irmãos, Santiago Andres Maldonado nasceu em 25 de Julho de 1989, em uma cidade com cerca de 22 mil habitantes chamada 25 de Mayo, localizada na província de Buenos Aires na Argentina.
25 de Maio é a data em que é comemorada a criação do estado Argentino.
Ironicamente a mesma data da nome ao local de nascimento de um anarquista, vitimado pelo estado argentino.

Vivemos em uma civilização que classifica cidadãos de acordo com o poder de consumo. Lemos em nossos jornais, vemos na publicidade, aprendemos nas escolas, reproduzimos nas empresas e repassamos para nossas famílias a ideia de que a hierarquia é algo natural e de que a competição define as relações humanas.
Enquanto isso 870 milhões de pessoas passam fome para que apenas 80 possuam a mesma riqueza que metade da população mundial. Somos adestrados para pensar que isto é justo e até mesmo invejar aqueles que detêm maior concentração de renda. Somos cegados pela crença de que os bilionários são merecedores e que, se nos esforçarmos bastante e desejarmos com muita fé, chegaremos “lá”. Passamos anos em empregos que não gostamos, adoecemos nossos cérebros e nossos corpos, gastamos com livros de auto-ajuda, tomamos antidepressivos.
Mas este “lá” jamais chega.
Tudo isto é enlatado e vendido para nós como “liberdade”. Mas a verdade é que em um sistema que nos mantem aprisionados e sob controle, a real liberdade por si só é entendida como rebeldia.
Aos 18 anos, quando a coerção social o inquiriu sobre o que “iria ser na vida”, Santiago Maldonado foi abraçar sua vocação, resolveu estudar Belas Artes na cidade de La Plata.
Ser artista em uma sociedade que premia os burocratas não o assustava. O que o assustava era se tornar uma peça na engrenagem de uma civilização doente.
Era a primeira vez que saia de casa e essa decisão não foi tomada sem reflexão prévia.
Criativo por excelência, desde garoto Santiago era um apaixonado pelas artes e, em especial, por desenhar murais. Seu destino parecia mesmo ser artista. Mas sua natureza curiosa e engajada o levaria por caminhos ainda mais audaciosos.

Após aprender o que presumiu ser o necessário, Santiago Maldonado renunciou a toda sua comodidade para conhecer lugares e especialmente pessoas. Colocou uma mochila nas costas e decidiu, por si mesmo, sair pela América Latina, sem eletrodomésticos, sem moveis e sem muito dinheiro, apenas com algumas roupas e materiais básicos de higiene e alimentação.
Dormiu por várias vezes na rua e nas casas das pessoas que cativou durante sua jornada. Acumulou alguns apelidos, foi chamado de “brujo”, “mago”, “lechuga”, “vikingo”, “Santi”.
Deu risadas, fez amigos e abraçou as causas que lhe pareciam justas.

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Em Chiloé, no Chile, esteve por meses vivendo em uma aldeia de pescadores. De acordo com o jornal El Dinamo lá se identificava com o nome de “Juan” e evitava de todo jeito expor informações pessoais.
Ajudando com o que os pescadores precisassem aprendeu também a pescar, participou de manifestações da aldeia por três dias seguidos e desenvolveu algumas habilidades, como a de fazer nós em redes. Também no Chile trabalhou como tatuador com o amigo Marcos Ampuero.
“Ele trabalhou comigo e ele também morou comigo por um tempo, enquanto ele conseguia um lugar . Nunca teve que ter muito dinheiro, mas sempre precisava de algum para continuar viajando”. diz Ampuero.
Pouco tempo antes de desaparecer Santiago voltou ao Chile.
Embora ele tenha relutado em tirar fotos, Marcos Ampuero registrou sua última visita, sendo também suas últimas imagens até então. O chileno publicou uma mensagem ao lado das fotos de Santiago .
“Último dia no Chile do Mago antes de ir para a Argentina, para ser pego pela Gendarmeria e desaparecer. Ele saiu com um grande sorriso e com muita gratidão e deixou uma mochila prometendo que voltaria para pegar.”
Além do Chile, Santiago esteve no Uruguai e em outros países da America Latina.
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A Patagônia argentina e os Mapuche
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“En el fondo, la rebeldía es un acto que proviene del amor, del amor a los demás y del amor a las cosas que valen la pena vivir y hasta morir por ellas.” (Eduardo Galeano)
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Entre os assuntos que Santiago Maldonado não gostava de falar estavam a politica partidária e a religião. Mas o tempo não fez com que ele se tornasse menos radical, além de anarquista se tornou vegano, parou de cortar o cabelo e de fazer barba. Levado por sua paixão pela natureza e movido por seu desejo de constante aprendizagem Santiago acabou se mudando novamente para Argentina, mais especificamente para em El Bolson , cidade do extremo sudoeste da província de Rio Negro, em meio de uma paisagem de montanhas e lagos.

Após um tempo residindo no local, Santiago manifestou interesse na medicina e nos costumes mapuche e passou a manter contato com os nativos. Mas, para além disso, acabou se sensibilizando com a luta destes indígenas contra a multimilionária empresa têxtil Benetton, e logo se juntou a uma aldeia instalada na cidade vizinha de Esquel, na província de Chubut.
Em 1991 a Benetton comprou 900.000 hectares (uma área equivalente a seis vezes o município de São Paulo) na região, expulsando os indígenas que lá viviam para, no lugar, começar uma criação com cerca de 100 mil ovelhas, que são fonte de 10% da lã de suas fábricas.
A partir de então grupos de indígenas mapuche que lutam pela autonomia territorial e reivindicam estas terras como propriedade histórica do seu povo se organizaram e passaram a ocupar estas terras, em um processo que por eles é chamado de recuperação de terras, mas que o estado e a grande mídia Argentina tratam como invasão.
Um nome de destaque na liderança dos movimentos de recuperação de terra dos mapuche é El Lonco (como chamam os chefes mapuche) Facundo Jones Huala, que no dia 27 de Junho deste ano foi preso na Unidade Penitenciária 14 de Esquel na Argentina, ele é acusado no Chile de provocar um incêndio em um latifúndio no ano de 2013. O estado Chileno pede sua extradição por considera-lo um terrorista. Ele nega que seja um terrorista e diz que não se vale de armas de fogo para se defender, apenas de pedras e padaços de pau, para ele terrorista é o estado.
Jones Huala lidera aldeias mapuche chamadas por lá de Pu Lof en resistencia de Cushamen e de dentro da prisão tem sido uma voz que tem ecoado pelos jornais ao se pronunciar contra as marcas que combate e contra o capitalismo desmedido. “Apresentamos um diálogo qualificado tanto na Argentina como no Chile, mas não se dignaram a dialogar porque defendem os interesses das grandes empresas e nós mapuches somos um entrave para ele. Com o kirchnerismo fomos reprimidos e vigiados, mas com o macrismo isso se multiplicou por três. Minha prisão é ilegal, considero que estou sequestrado pelo Estado. Por isso pedimos a solidariedade internacional e assim como muitos vão às ruas condenar o regime de Maduro, aqui, os Povos Originários precisam que o mesmo seja feito com a repressão brutal que existe contra as organizações sociais e o povo mapuche” (disse recentemente em entrevista para o jornal El País).

Em 10 de janeiro de 2017 cerca de 200 policiais da gendarmeria (espécie de tropa de choque federal da Argentina) armaram uma ação violenta para expulsar os indígenas de Chubut.
De acordo com relatório da Anistia Internacional neste dia as forças de segurança cometeram “atos de violência e repressão […] incluindo pancadas, uso de cassetetes, mulheres com o cabelo puxado e assédio de crianças dentro da comunidade”. Mais tarde naquele mesmo dia, a polícia local invadiu novamente a comunidade nativa sob a justificativa de uma denuncia de roubo de animais. No dia seguinte, a mesma polícia realizou um segundo ataque contra outra comunidade Mapuche nas proximidades, disparando balas de chumbo e borracha, o que resultou em quatorze feridos, incluindo um membro da comunidade que machucou a mandíbula.
Na ocasião o chefe de polícia de Chubut, Juan Ale, disse que a polícia havia sido atacada e que apenas reagiu “para se defender contra ataques de pedras”. O ministro do governo da província de Chubut, Pablo Durán, chamou os membros da resistência mapuche e seus simpatizantes de “terroristas” e “criminosos”. Os manifestantes que pedem atualmente pelo aparecimento de Santiago Maldonado apontam que o mesmo Pablo Durán esteve em uma reunião com Pablo Nocetti (ex-advogado de criminosos da ditadura militar argentina e chefe do ministério de segurança argentino) e com os comandantes da gendarmeria, pouco antes de ações de repressão contra as comunidades mapuche.
Sergio Maldonado, irmão de Santiago, conta que seu irmão “nunca foi um ativista ou pertencente a qualquer movimento politico, mas que se solidarizava em caráter individual com causas que lhe pareciam justas”, e foi por esta razão que, a partir desta ação da policia ele passou a participar em ações mais diretas, estando presente em manifestações.

O desaparecimento forçado
Desde então Santiago Maldonado é dado como desaparecido, se tornando um simbolo da luta Mapuche e o primeiro desaparecido politico da era Macri.



O Ministério da Segurança ofereceu uma recompensa de 500.000 pesos “a quem fornecer dados para encontrar” Maldonado, mas disse ter recebido um relatório da Gendarmeria que assegura “não ter detido o jovem”.
A família e os amigos de Santiago Maldonado culpam por seu desaparecimento:
O ESTADO ARGENTINO (presidente Mauricio Macri)
A GENDARMERIA
PATRÍCIA BULLRICH ministra de segurança
PABLO NOCETTI segundo de segurança
LUCIANO BENETTON
ALBERTO WERETILNEK governador de Rio Negro
MARIO DAS NEVES governador de Chubut
“Se você não está indignado, então não está prestando atenção”.
(Heather Heyer)
EDIT: Santiago Maldonado foi encontrado morto no rio Chubut em 17 de Outubro de 2017.
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