Originalmente publicado aqui em 13 de fevereiro de 2016, por David Sloan Wilson
Homo-economicus versus adaptação biológica
Um dos artigos mais influentes publicados no campo da economia é “A Metodologia da Economia Positiva” de Milton Friedman (1953), no qual ele argumenta que as pessoas se comportam como se as suposições da teoria econômica neoclássica estivessem corretas, mesmo quando não estão. Um dos artigos mais influentes no campo da evolução é “As Enjuntas de São Marcos e o Paradigma Panglossiano“, de Stephen Jay Gould e Richard Lewontin (1979), que argumenta contra a dependência excessiva ao conceito de adaptação.
Diferentes disciplinas, diferentes décadas. Não é de admirar que estes dois artigos clássicos não tenham sido relacionados entre eles. No entanto, há muito proveito em fazê-lo, pois um revela fraquezas no outro que são altamente relevantes para o pensamento econômico e evolutivo atual.
A razão pela qual eles podem ser mutuamente relacionados é porque Friedman se baseou em um argumento evolutivo para sua justificativa “como se fosse” da economia neoclássica. Não dá para melhorar o enquadramento do problema que ele mesmo faz:
As questões metodológicas abstratas que temos discutido têm uma influência direta sobre a crítica perene da teoria econômica “ortodoxa” como sendo “irrealista”, bem como sobre as tentativas que foram feitas para reformular a teoria para atender a essa demanda. A economia é uma ciência “ingrata” porque pressupõe que o homem seja egoísta e mercenário, “um calculador relâmpago dos prazeres e das dores, que oscila como um glóbulo homogêneo de desejo por felicidade sob o impulso de estímulos que mudam sua direção, mas o deixa intacto”; está embasada numa psicologia ultrapassada e deve ser reconstruída de acordo com cada novo desenvolvimento em psicologia; assume que os homens, ou pelo menos os homens de negócios, estão “em contínuo estado de ‘alerta’, prontos para mudar os preços e/ou regras de preços sempre que suas intuições sensíveis (…) detectem uma mudança nas condições de oferta e procura”; ela assume que os mercados sejam perfeitos, a competição seja pura, e as commodities, o trabalho e capital sejam homogêneos.
Friedman admite que os pressupostos da teoria ortodoxa sobre preferências e habilidades humanas, que muitas vezes são rotulados como Homo economicus como se fossem uma descrição de uma espécie biológica, são claramente pouco realistas. No entanto, ele afirma que eles ainda são preditivos do comportamento econômico humano por meio de três analogias. Primeiro, as árvores distribuem suas folhas como se estivessem maximizando sua exposição à luz solar, mas ninguém assume que estejam fazendo equações de otimização. Da mesma forma, um jogador de sinuca experiente age como se ele estivesse realizando cálculos complexos ao fazer suas tacadas, quando de fato seu comportamento foi moldado por incontáveis horas de jogo. Finalmente, uma empresa atua como se estivesse maximizando seus lucros, quando, na verdade, sua continua sobrevivência é o resultado de um processo de seleção em que as empresas que não se otimizaram foram eliminadas.
O primeiro é um exemplo de evolução genética, o segundo é um exemplo de aprendizagem individual e o terceiro é um exemplo de evolução cultural. Em todos os casos, um processo de seleção resulta em entidades que se comportam de forma adaptativa, como se estivessem resolvendo equações complexas de otimização, quando mecanicamente não fazem nada desse tipo.
Os biólogos evolutivos reconhecem o argumento de Friedman como uma distinção entre causalidade distal e proximal. A causalidade distal explica por que uma característica existe, em comparação com muitos outros traços que poderiam existir, com base no resultado de um processo de seleção. A causalidade proximal explica como a característica existe em um sentido físico. Os girassóis se voltam para o sol porque a seleção favoreceu o fototropismo (a explicação distal); mas dentro de cada girassol individual se encontra um mecanismo fisiológico que faz com que a planta se comporte assim. A explicação proximal não necessita ter nenhuma semelhança com a explicação distal, além de efetivamente causar o comportamento adaptativo.
Até agora, Friedman está de pé em um terreno evolutivo firme com seu argumento “como se fosse“. Os evolucionistas frequentemente argumentam sobre as propriedades das espécies “como se fosse” uma maximização da sua condição física, sem se preocupar com os mecanismos proximais. Como um exemplo simples, podemos prever com confiança que muitos animais do deserto exibem cor arenosa para evitar a detecção por seus predadores e presas. A previsão pode ser verdadeira para diferentes tipos de animais do deserto, como insetos, caracóis, répteis, aves e mamíferos, embora diferentes mecanismos proximais provoquem a coloração arenosa nesses animais. A capacidade de prever as propriedades dos organismos em termos funcionais, sem referência à causalidade proximal, é uma das características mais poderosas da teoria evolutiva.
Mas o raciocínio com base na adaptação nos fornece a resposta correta somente se a característica em questão for um produto da seleção e se tivermos identificado corretamente as pressões de seleção relevantes. Se a característica não é adaptativa em nenhum sentido, estaremos errados. Se assumirmos que a característica é uma solução para um problema adaptativo (como a necessidade de um animal desbravador maximizar o consumo de energia por unidade de tempo), quando é uma solução para outro problema adaptativo (como a necessidade de um animal desbravador administrar compensações entre ganho de energia e risco de predação), também estaremos errados.
É aí que entra o papel das “Enjuntas” de Gould e Lewontin. Eles puxaram as orelhas de alguns de seus colegas evolucionistas por assumir que toda característica devia ter uma explicação adaptativa e por aceitar histórias adaptativas “por assim dizer” sem provas adequadas. Eles delinearam uma abordagem mais abrangente que exige evidências fortes para qualquer dada explicação adaptativa e reflete as muitas maneiras pelas quais os traços não adaptativos podem persistir em uma população. O evolucionista pleno pode começar com uma hipótese adaptacionista para explicar uma determinada característica, mas depois testa a hipótese e modifica-a conforme necessidade, mantendo as duas hipóteses de adaptação e não adaptação em mente como opções possíveis. Os evolucionistas plenos também estudam mecanismos proximais, e filogenia em conjunto com um foco em seleção natural.
Alguns evolucionistas queixam-se de que Gould e Lewontin criaram um espantalho com sua crítica, mas o retrato por eles feito desse “adaptacionismo ingênuo” descreve com precisão a defesa de Friedman para a economia neoclássica. Ele assumiu que um ou mais processos de seleção (genéticos, de aprendizagem ou culturais) resultaram em pessoas que se parecem com o Homo economicus no que diz respeito à causalidade distal. Ele não considerou outras hipóteses adaptacionistas ou não adaptacionistas. Ele não indicou que mecanismos próximais, desenvolvimento e filogenia precisam ser considerados juntamente com causalidade distal. A única evidência que ele forneceu para sustentar sua hipótese foi reivindicar que a política econômica baseada na teoria ortodoxa era bem sucedida. O argumento “como se fosse” era evolutivo, mas não evolutivo o bastante.
A fraqueza do artigo de Friedman, quando relacionada ao artigo de Gould e Lewontin, revela um problema generalizado nas ciências sociais humanas básicas e aplicadas. Qualquer relato que trata de comportamentos sociais humanos que não são criacionistas requer consiliência – que é consistência ou convergência com outros ramos do conhecimento. Uma política econômica ou social que ignora a forma como funcionamos como uma espécie e a forma como a cooperação evolui em todas as espécies tem tantas chances de ter sucesso quanto um projeto arquitetônico que ignora as leis da física. No entanto, por razões complexas, a teoria evolutiva tem sido evitada como um quadro explicativo para a maioria dos ramos das ciências sociais, desde antes do nascimento da maioria dos especialistas atuais. Quando teorias e políticas derivadas das ciências sociais estão relacionadas à ciência evolutiva moderna, muitas vezes falham no teste de consiliência tão miseravelmente quanto Friedman fez em 1953.
Os cientistas sociais e nossos gestores políticos precisam tornar-se evolucionistas plenos, tanto quanto os biólogos. A má notícia é que há muito trabalho a fazer para que as nossas teorias e políticas atuais passem no teste de consiliência. A boa notícia é que, quando começarmos a ganhar as notas suficientes para a aprovação, nossas políticas econômicas e sociais começarão a funcionar melhor do que agora.