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A Resistência Mapuche

É hora de começar a compreender a resistência indígena que tem mobilizado a Argentina.

“Nós quando levantamos a ideia de libertação nacional Mapuche e de reconstruir nosso mundo, não estamos propondo a construção de um estado Mapuche.
Nós nunca proporíamos isso, simplesmente porque o Estado é um conceito ocidental. Nós existimos antes do estado.

Queremos viver como Mapuche, dentro de nossas terras.”
(Jones Huala)

Um paraíso frio, onde o silencio é cortado pelo som dos ventos. Assim conhecemos a Patagônia, pelos documentários do Globo Reporter.
Porém, atualmente, o único silencio que deveria nos espantar é o de nossos grandes veículos de mídia frente ao que ocorre neste “paraíso perdido”.
É na Patagônia que, em uma luta de Davi contra Golias, uma pequena comunidade indígena enfrenta a gigante têxtil Benetton pelo direito de ocupar suas terras ancestrais, escrevendo com o próprio sangue uma nova pagina da historia  da America Latina.
Praça de Buenos Aires em 11 de Agosto de 2017.
Tão grande quanto bela, a Patagônia abrange quase um terço dos territórios de Argentina e Chile. Ali, entre os condores e as montanhas, vivem os Mapuche, um povo que habita aquele local desde tempos imemoráveis. A identidade cultural deste povo não foi promovida com juramentos à bandeiras, nem com o doutrinamento cívico e o patriotismo que caracterizam as novas repúblicas.  Mas foi resultado de séculos de interação e interdependência de comunidades que forjaram suas próprias identidades pela linguagem, pela espiritualidade e por princípios de comportamento que (de acordo com estes povos) orientam o caminho para a convivência harmoniosa entre os indivíduos, sua responsabilidade para com a comunidade e a natureza.
Entretanto, mesmo tratando-se de uma parte importante da identidade cultural e da historia de Argentina e Chile, os Mapuche sofreram duros golpes, sobrevivendo aos colonizadores estrangeiros e tendo sido quase dizimados durante a chamada “Pacificação de Araucania” (movida pelo exercito Chileno) e as “Campanhas do Deserto”  (promovidas pelas foças armadas Argentinas), operações militares genocidas destinadas a exterminá-los.
A partir da “Pesquisa Complementar dos Povos Indígenas” (ECPI) 2004 – 2005 realizada pelo governo argentino calculou-se que  restaram quase 105.000 pessoas pertencentes ou descendentes em primeira geração do povo Mapuche. A grande maioria os 73% vive nas províncias de ChubutNeuquén e Rio Negro.
Mas a história que reflete a atual situação na Argentina começa em 1991, quando o grupo Benetton compra na Patagônia  900.000 hectares (uma área equivalente a seis vezes o município de São Paulo) e expulsa os Mapuche da região, passando a criar aproximadamente 100.000 ovelhas, que produzem atualmente cerca de  10% da lã usada nas roupas produzidas pela marca.
A partir de então, os Mapuche reivindicam estas terras como suas, instalando por lá seus acampamentos e realizando inúmeras manifestações.  Apesar de pouco ouvirmos falar por aqui a respeito, os mais de 20 anos de luta Mapuche chamaram a atenção da mídia, o que fez com que o governo argentino sancionasse uma lei para regulamentar a venda de terras a proprietários estrangeiros.
Esta lei foi aprovada no dia 22 de dezembro de 2011, sendo batizada como “Amparo ao Domínio Nacional sobre a Propriedade, Posse e Ocupação de Terras Rurais“. Apesar do nome, na prática, a lei impôs, como limite, que nenhuma pessoa, física ou jurídica, possa ser dona de mais de 15% de qualquer território nacional, provincial, departamental (estadual) ou municipal. Dessa porcentagem, os estrangeiros não podem ter mais de 30% e, em nenhum caso, mais de 1.000 hectares. Portanto, o grupo italiano teria 90.000 vezes mais do que o permitido por lei. Mas a lei não foi retroativa, fazendo com que a Benetton permanecesse no local.

É importante salientar que a companhia de Luciano Benetton não é a única “dona da Patagônia”, magnatas americanos  como Douglas Tompkins e Ted Turner (fundador da rede de notícias CNN), além Ward Lay, diretor Pepsi-Cola, entre outos, também têm enormes extensões de terras na Patagônia.

Estes estrangeiros são acusados não apenas pelos Mapuche, mas pelo resto da população local de limitar o acesso pelos argentinos para algumas das maiores belezas naturais de seu país, como os lagos e montanhas da região da Cordilheira dos Andes.

Os Mapuche e a Benetton na Era Macri

Apesar de tantos anos passados desde 1991, os conflitos entre os Mapuche e a Benetton estão apenas começando e alcançaram recentemente contornos dramáticos.  Desde a primeira expulsão dos Mapuche, a Benetton tem inserido pessoas armadas no local e atualmente tem militarizado a região com o apoio do governo de Mauricio Macri.

Em 2015  um território foi recuperado por um pequeno grupo organizado de Mapuches em Chubut (província da Patagônia),  este grupo criou nesta região algumas aldeias.

Um nome de destaque na liderança dos movimentos de recuperação de terra dos Mapuche é El Lonco (como chamam os chefes mapuche) Facundo Jones Huala, que no dia 27 de Junho deste ano foi preso na Unidade Penitenciária 14 de Esquel na Argentina, ele é acusado no Chile de provocar um incêndio em um latifúndio no ano de 2013. O estado Chileno pede sua extradição por considera-lo um terrorista. Ele nega que seja um terrorista e diz que não se vale de armas de fogo para se defender, apenas de pedras e padaços de pau, para ele terrorista é o estado.

Huala lidera  aldeias mapuche chamadas  por lá de Pu Lof en resistencia de Cushamen  (pluralidade de comunidades mapuche) e de dentro da prisão  tem sido uma voz que tem ecoado pelos jornais ao se pronunciar contra as marcas que combate e contra o capitalismo desmedido. “Apresentamos um diálogo qualificado tanto na Argentina como no Chile, mas não se dignaram a dialogar porque defendem os interesses das grandes empresas e nós mapuches somos um entrave para ele. Com o kirchnerismo fomos reprimidos e vigiados, mas com o macrismo isso se multiplicou por três. Minha prisão é ilegal, considero que estou sequestrado pelo Estado. Por isso pedimos a solidariedade internacional e assim como muitos vão às ruas condenar o regime de Maduro, aqui, os Povos Originários precisam que o mesmo seja feito com a repressão brutal que existe contra as organizações sociais e o povo mapuche” (disse recentemente em entrevista para o jornal El País).

Jones Huala.

Em 10 de janeiro de 2017  cerca de 200 policiais da gendarmeria (espécie de tropa de choque federal da Argentina) armaram uma ação violenta para expulsar os indígenas de Chubut.

De acordo com relatório da Anistia Internacional neste dia as forças de segurança cometeram “atos de violência e repressão […] incluindo pancadas, uso de cassetetes, mulheres com o cabelo puxado e assédio de crianças dentro da comunidade”. Mais tarde naquele mesmo dia, a polícia local invadiu novamente a comunidade nativa sob a justificativa de uma denuncia de roubo de animais. No dia seguinte, a mesma polícia realizou um segundo ataque contra outra comunidade Mapuche nas proximidades, disparando balas de chumbo e borracha, o que resultou em quatorze feridos, incluindo um membro da comunidade que machucou a mandíbula.

No dia primeiro de agosto de 2017, a policia local e a gendarmeria executaram uma nova operação, atentando contra a Mapuche. Desta vez, além de atirarem com balas de borracha, os policiais trancaram mulheres e crianças em uma cabana enquanto queimavam seus colchões, cobertores e brinquedos. Denuncias de moradores locais também dão conta de que os policiais teriam bloqueado o acesso ao local, não deixando que ambulâncias e  membros de organizações de direitos humanos passassem. 

Uma ação que só pode ser realizada graças a uma decisão política para expandir os poderes da polícia, apoiando assim a violência das forças de segurança, que buscam disciplinar os Mapuche por força de balas.

Fotos: Red de Apoyo Comunidades en conflicto MAP

Onde Está Santiago Maldonado?

No mesmo contexto das repressões ocorridas no dia primeiro de agosto de 2017, Santiago Maldonado, de 28 anos, foi levado pela polícia, sendo esta sua última aparição em público, o que teria ocorrido na presença de cerca de mais de 100 agentes da gendarmeria.

Santiago era um anarquista e nômade que, no momento de seu desaparecimento, vivia em El Boson, perto de um território sagrado dos mapuche e  que o estado vendeu no passado para a multinacional  Benetton. Neste local também havia se construído aldeias de resistência mapuche. Solidarizando-se com a causa Santiago ajudava os Mapuche no que podia, com alimento, água, além de estar presente, resistindo em outras repressões da policia.

No dia primeiro de Agosto de 2017 chegou até a comunidade a informação de que ocorreria uma operação de desocupação dos territórios. A comunidade decidiu então que não deixaria passar ninguém e bloqueou a estrada que dava acesso ao local com pinheiros, passando a informar aos motoristas do que estava acontecendo. Ao constatar que as várias caminhonetes da policia que se aproximaram não iriam parar neste bloqueio os indígenas fugiram atravessando um rio. Mas Santiago Maldonado não sabia nadar. Segundo testemunhas, os oficiais da gendarmeria o pegaram escondido entre arbustos e após uma surra o levaram em uma caminhonete branca.

Desde então Santiago Maldonado é dado como desaparecido, se tornando um simbolo da luta Mapuche e o  primeiro desaparecido politico da Era Macri.

Hoje seus familiares e amigos  tem buscado por respostas para o desaparecimento e organizações defensoras dos direitos humanos já qualificam o fato como desaparecimento forçado. No dia 11 de Agosto houve um protesto mapuche no sul da Argentina, em que responsabilizaram a gendarmeria e o Estado pela  detenção de Santiago, além de uma grande concentração na Praça de Maio em Buenos Aires. Estas manifestações vem se repetindo e conseguido cada vez mais adeptos, tendo a última manifestação ocorrida ontem 1/9, reunindo milhares de pessoas em Buenos Aires.

“É dramático que na democracia mais longa de nossa história tenhamos que anunciar o desaparecimento forçado de alguém”, disse em coletiva a presidente das Avós da Praça de Maio (grupo que busca localizar as crianças sequestradas ou desaparecidas pela ditadura militar argentina (1975-1983) e a punição dos  responsáveis), Estela de Carlotto.

“Santiago foi perseguido pelas forças da Polícia e, portanto, não podem dizer que não tiveram nada a ver”, afirmou o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel à Radio 10.

O Ministério da Segurança ofereceu uma recompensa de 500.000 pesos “a quem fornecer dados para encontrar” Maldonado, mas disse ter recebido um relatório da Gendarmeria que assegura “não ter detido o jovem”.

Os mapuche, familiares e amigos de Santiago Maldonado responsabilizam pelo seu  desaparecimento forçado

O ESTADO ARGENTINO (presidente Mauricio Macri)
A GENDARMERIA
PATRÍCIA BULLRICH ministra de segurança
PABLO NOCETTI segundo de segurança
LUCIANO BENETTON
ALBERTO WERETILNEK governador de Rio Negro
MARIO DAS NEVES governador de Chubut

Foto: Priscilla Oliveira

ARTE DA VITRINE: Matheus Mattos

Agradecimentos: as amigas Silvana e Priscilla Oliveira.

EDIT: Santiago Maldonado foi encontrado morto no rio Chubut em 17 de Outubro de 2017.

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Written by Rhangel Ribeiro