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E no principio foi a piada.

Você já pensou em como irá explicar esse período histórico aos seus netos? Eu começarei assim:
“Era uma vez uma piada e no fim ninguém riu “.

No dia 3 de Setembro de 2017, o candidato a presidencia pelo PSL deu uma entrevista para o programa “Central das Eleições” da Globo News, na qual ele deu a entender que Deus era o responsável por seu sucesso. A frase dita por ele foi exatamente essa: Eu estou cumprindo uma missão de Deus. Eu sou Cristão. Olha só a situação que eu cheguei. Sou do baixíssimo clero, não sou ninguém na política, não sou nada. E tenho o apoio popular que está aí. Não é inimaginável o que está acontecendo? Como eu consegui isso?”.

46, 23% dos votos no primeiro turno das eleições foram para ele, Jair Messias Bolsonaro. Um homem que já defendeu torturadores, que disse preferir um filho morto a um filho gay, que afirmou que negros quilombolas pesam arrobas e que nem para procriar servem. Um sujeito assim ter tanto apoio popular era realmente “inimaginável”, pelo menos, até bem pouco tempo. Até o dia em que o resultado das urnas veio e com ele o choque de realidade: os eleitores de Jair Bolsonaro não eram só trolls das redes sociais, essas pessoas existem e, como se isso não bastasse, elas podem ser o bastante para eleger o próximo presidente da república.

Mas calma, meus caros, lhes garanto que isso não é da conta de Deus. Em verdade vos digo que a frase dita pelo politico na Globo News só faria algum sentido se Deus usasse terno, gravata e óculos escuros.

Uma parte considerável da população sabe disso e não se espantou com o que ocorreu no dia 7 de Outubro, eu estou entre elas. Vocês me perguntam: Como isso pode acontecer?

Talvez nenhum documentário fresco da BBC  traduza tão bem a resposta, no futuro, quanto essa tirinha do compa Norberto Liberator da pagina Mostarda Atômica:

Desde 2008 eu era um assíduo espectador do CQC na Band e sempre frequentei as redes sociais do programa para ver a repercussão de seus quadros (alias, é provável que esse tenha sido o programa que deu maior visibilidade a essa figura). Eu imagino que seja difícil, para quem não viu, acreditar, mas o cara que hoje está aí em primeiro lugar nas pesquisas para presidente, em vias de se tornar nosso chefe do poder executivo, era tratado como uma figura bizarra nos primórdios do CQC, suas aparições eram frequentes, mas porque o bizarro na nossa TV aberta sempre deu audiência. Esse comportamento do programa foi, de maneira agoniante, mudando por pressão das redes sociais, pelo menos foi assim que interpretei. “Agoniante” é o termo que melhor descreve esse processo para qualquer ser humano sensato que o acompanhou, sem nada poder fazer para evita-lo.

Parecia que, conforme Bolsonaro ia agradando nas redes sociais, o CQC procurava trata-lo como um assunto serio, apontando tudo aquilo que ele falava sobre gays, negros, mulheres ou tortura como discurso de ódio. Nesse ponto quem dava o último corte no coiso sempre era o Marcelo Tas. Me é muito marcante um dia em que o Bolsonaro falou numa entrevista que “ninguém tem orgulho de ter um filho gay” e o Tas surgiu em seguida, mostrando uma foto dele com a filha homossexual, dizendo que tinha muito orgulho dela sim! Isso foi lindo. Mas, de alguma maneira, não dava certo com o próprio publico do programa no facebook, que via Tas como um cara que “diz isso, mas depois “chora no banho””, por essas e outras, até hoje o ex-apresentador do CQC é chamado de comunista por Bolsonaristas, mesmo sendo extremamente critico ao PT (que, assim como ele, não tem nada de comunista). Alias, é provavel que o Marcelo Tas tenha sido a primeira personalidade, sem relação com o PT ou com o PSOL, a ser acusada de “comunismo” por fãs do Bolsonaro.

Assim como essa do Tas com a foto da filha, qualquer tentativa de apontar o discurso de ódio de Bolsonaro era inutil, era como tentar sair de um poço de areia movediça. Mas algo poderia ser evitado: VISIBILIDADE. É surreal, e triste ao mesmo tempo, constatar que quando o CQC começou Bolsonaro era um deputado federal eleito no Rio de Janeiro com cerca de 99 mil votos e que, em 2014, já tinha 464 mil votos, se tornando o deputado mais votado de seu estado! O CQC tem MUITA culpa nisso, infelizmente (digo ‘infelizmente’, porque eu adorava a abordagem dos caras e sinto falta do que eles faziam, principalmente em época de eleição).

Texto do colunista Mauricio Stycer do UOL, em 2012.

Percebi no Facebook e no próprio programa quando o termo “mito” foi deixando de ser uma piadinha (porque, a principio, me parecia uma ironia esse negocio de “mito”, pois, no meu entendimento “mitagem” era sinônimo de avacalhação) virar o que é hoje, quase um “Fuher” ou um “Duce” para seus seguidores. Foi desesperador, mas não foi um processo rápido, que se deu de uma hora para outra, aconteceu durante os 6 anos do CQC na Band e, como eu disse, acompanhou uma alteração até no estilo do programa, o que o levou também a perder audiência em uma morte lenta e dolorida… Acho que Bolsonaro tem sua parcela de responsabilidade nisso, pois ao contrario do que pensam, o grande dilema da atração não envolvia apenas o limite enquanto humorístico, mas a noção de responsabilidade enquanto jornalístico.

Se você for pegar as matérias mais antigas no CQC e comparar com as últimas vai notar que, no inicio, Bolsonaro estava no mesmo patamar de um Inri Cristo ou de um Toninho do Capeta. Já no final (em 2015) o repórter Juliano Dip estava indo ouvir Bolsonaro sobre uma matéria que ele próprio havia feito em uma escola militarizada pela PM no Amazonas. Nessa matéria o repórter (que eu considerava ótimo) mostrava reclamações de alunos sobre limitações impostas pelo militarismo, o fato de terem que prestar continência para outros alunos e de que coordenadores (que também eram PMs) andavam armados na frente das crianças. Apesar de ser citado também o fato de que a escola era problemática e encher o lugar de policia, de fato, acabou com a ocorrência de violência entre os alunos, aumentando as notas dos mesmos, o foco do repórter era mostrar o quanto aquela pedagogia era exageradamente rígida na forma de tratar as criança. Ele não fez isso de uma forma ruim, na minha avaliação.

Eu não sei o motivo, mas após isso, houve uma entrevista do Juliano Dip com o Bolsonaro repercutindo negativamente a matéria sobre a escola do Amazonas, realizada pelo próprio Dip (acredito por pressão das redes sociais essa entrevista tenha acontecido… Afinal, no Facebook, uma horda gigantesca de minions acusou o jornalista de ser tendencioso por não mostrar o colégio como um “paraíso na terra’), a lógica seria mostrar um modelo de escola que prezasse pela autonomia e pela liberdade,  o Projeto Ancora em Cotia ou a Escola da Ponte, em Portugal, seriam boas opções, o que não foi feito. Isso é só um exemplo de como, no fim das contas, o Bolsonaro no CQC tinha virado uma sumidade a ser ouvida quando o assunto poderia envolver um ponto de vista conservador sobre qualquer coisa! Qualquer coisa mesmo! Não precisava ter relação com com um acontecimento o qual ele tinha envolvimento direto. Ele, sem querer, virou quase um colunista de opinião em um programa que fazia oposição a ele próprio e ali foi capitalizando publico e chamando atenção de outras atrações de outros canais (como o programa do Ratinho e o programa da Luciana Gimenez).

No mesmo programa da entrevista com o Bolsonaro, repercutindo a reportagem sobre a escola militarizada, foi realizada também uma enquete e os apresentadores (Rafael Cortez, Dan Stulbach e Marco Luque) anunciaram, com uma nítida cara de desgosto e uma tristeza de dar pena, que 90% de seus espectadores referendavam o que Bolsonaro dizia na entrevista e queriam que TODOS os colégios do Brasil fossem militarizados (promessa que o candidato fez, mas voltou atrás, por saber que isso não é possível. No momento vem defendendo construir um colégio militar por capital).

Rafael Cortez, Dan Stulbach e Marco Luque “aquelas pessoas eram reais!”

Pouco tempo atrás o tal colégio do exemplo que citei voltou aos noticiários por um video em que todos os alunos estão perfilados gritando “viva Bolsonaro salvador dessa nação!”. De acordo com o candidato “um exemplo a ser seguido por todas as escolas do Brasil”. Em 2018 Bolsonaro representa um perigo para os que prezam pelo respeito, pela liberdade e pelos direitos conquistados.

E é isso, essa foi com certeza a piada mais sem graça que já ouvi. Eu só queria dividir com vocês minhas lagrimas e esse meu sorriso amarelo que eu sei, que um dia, será o de toda família brasileira.

 

 

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Written by Rhangel Ribeiro