Em 1946 a primeira parte da Palestina era ocupada e Yusef Jabbar era apenas uma criança com seus 10 anos de idade. Um menino entre tantos outros meninos palestinos, chutando bolinhas feitas de trapos pelas ruas de al-Mazra’a al-Sharqiya, até o cair da noite, quando os lampiões da colônia eram acesos para compensar a inevitável escuridão que pairava sobre aquela cidade do distrito de Ramallah. ‘’Naquela época a gente não tinha comunicação. Tínhamos um rádio e só. Havia comentários a respeito. Mas eu não tinha noção do que acontecia’’, 70 anos depois, em frente à tela de seu laptop os olhos escuros de Jabbar, observavam os vídeos de seus compatriotas sendo mortos ou detidos por soldados Israelenses. Hoje ele consegue compreender um pouco melhor o passado, mas é difícil, mesmo para um palestino, entender o presente.
No mundo tecnológico de hoje é difícil imaginar a situação, mas a luz de um velho lampião a querosene era a única iluminação existente no lar dos Jabbar, que possuía apenas uma sala para uma família com 11 filhos (4 mulheres e 7 homens), entre os quais estava Yusef.
Ninguém morria de fome. O pai sustentava a família com plantações de oliveira e azeitona, além da criação de ovelhas. Tudo era vendido aos vizinhos judeus.‘’A gente não comprava nada de fora. Colhia – se uvas. E para comer carne. De vez em quando, a gente matava um cabrito. A única coisa que a gente comprava de fora era a roupa, e comprávamos dos judeus no mesmo dia em que vendíamos as uvas para eles’’. Conta Yousef.
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No inicio dos anos 40 a Palestina era um protetorado britânico, a população na Palestina em 1946 era de aproximadamente 1.3 milhões de árabes e 600 mil judeus. Parece pouco, mas 20 anos antes a população judaica era de 83 mil pessoas.
É, não havia duvidas, iniciava-se uma imigração em massa de judeus para a região, a qual pessoas pro-Israel chamam hoje de “retorno”, em especial, com base no antigo reino de Israel (relatado em narrativas bíblicas).
Atualmente refugiados palestinos pelo mundo usam o mesmo mote “retorno”.
Estima-se que existem 3,8 milhões de refugiados palestinos apenas contando os que vivem em países árabes.
Em 1947, pressionada pelo fato de que as perseguições aos judeus pipocavam pelo mundo, e em especial pelo, na época, recém-ocorrido holocausto comandado pelos Nazistas, a Organização das Nações Unidas recomendou a aplicação do Plano de partição da Palestina, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 181, de 29 de novembro de 1947, propondo a divisão do país em dois Estados, um árabe e um judeu.
Em 1950 EUA, Grã Bretanha e França aceitavam as fronteiras no oriente médio como definitivas e Gaza ficava sobre o controle do Egito. Nesta época se iniciam os primeiros conflitos entre militantes palestinos e o recém-criado estado de Israel.
Nenhuma destas noticias chegou a casa de Jabbar, então uma criança 14 anos, que era atingida pelo que, até então, pensava ser a maior tragédia de sua vida:
‘’Quando eu tinha 14 anos tive que deixar a escola.
A escola da nossa cidade fechou e passou a ter escola em outra cidade. Lembro do diretor me perguntando:
-‘’Você quer se transferir para a outra escola?’’
Respondi assim:
-‘’Eu não sei… Isso o senhor tem que ver com o meu pai…’’
E ele foi até o meu pai!
‘’Seu filho é muito bom aluno. E é amigo do meu irmão, se você quiser eu arranjo um apartamento para ele’’.
Disse o diretor. Mas meu pai respondeu:
‘’Não tem jeito! Eu tenho 11 filhos e tenho que trabalhar sozinho. Esse vai crescer e vai me ajudar na lavoura.’’
Eu tinha tanta vontade de estudar… Quando cheguei ao Brasil a primeira coisa que fiz foi procurar uma escola’’.
Mas mesmo com a ajuda de seu filho, o pai de Yusef entrou em sérias dificuldades financeiras, chegando a vender uma parte da propriedade da família na Palestina. Diante disso tomou a decisão de mandar seu filho, Yusef, então com 17 anos, para trabalhar em outro campo, longe de suas terras.
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‘’Surgiu um campo de trabalho no Kuwait. Mas eu não tinha profissão nenhuma e não tinha documentos para entrar no Kuwait. Mas podia entrar no Iraque.
No Iraque existiam uns traficantes que alugavam botes. Fomos 35 pessoas em um bote! Eu era o mais novo, tinha 17 anos. Dessas 35 pessoas chegaram ao final da travessia só eu e mais um. Os outros foram presos ou sumiram.
Quando chegamos à praia dormimos na areia e quando deu 4 horas da manhã veio um caminhão carregar areia da praia. O motorista não falava a nossa língua, mas ele nos viu e nos mandou subir. Deu uma pá para cada um de nós. Entramos pelos portões da cidade. Os guardas não viram’’.
Esse foi o inicio da jornada de um homem acostumado a ser estrangeiro. Após quase dois anos trabalhando fora da palestina, um libanês chamou o jovem Yousef para ser eletricista, mesmo sem ser eletricista ele aceitou o serviço o que fez com que entrasse em uma companhia elétrica, onde seu salário dobrou. Juntou dinheiro e pegou um navio para o Líbano, passou pela Grécia, pela Itália, pela Espanha, pelo Egito, pelo distrito de Gilbraltar, por Dakhar, segundo o próprio Yusef, esse trajeto durou cerca de um mês, não conhecendo nenhum desses países de forma muito aprofundada.
Exceto o último lugar em que desembarcou o Rio de Janeiro no Brasil.
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Em nosso país Yousef fez a vida como mascate e conheceu sua esposa Marli Zago, no Rio Grande do Sul. Desde então Jabbar viu de longe seu povo ser massacrado, primeiro na guerra dos seis dias e em todas as outras, o assassinato de Yitzhak Rabin, a alçada ao poder de Ariel Sharon, a morte misteriosa e Yasser Arafat.
Dos 10 irmãos de Yusef, um faleceu e 7 abandonaram suas casas, fugindo da ocupação Israelense, indo morar nos Estados Unidos, mais especificamente em Nova Orleans, onde atualmente residem 135 famílias Palestinas.
Duas irmãs e um irmão estão na Jordania, que faz fronteira com Israel e com a Palestina. Aos 83 anos Jabbar, apesar de já ter visitado sua terra natal, como muitos outros, não acredita que irá retornar, nem que a Pelestina retornará a ser o que foi.
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FOTO DA VITRINE: Yusef Jabbar e esposa em uma de suas visitas ao Oriente Médio.
Demais fotos pertencem ao acervo da família Jabbar.