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Construindo contra-poder da classe trabalhadora negra contra o Estado, o capital e a opressão nacional: entrevistando Warren McGregor, ZACF, África do Sul 1

TOPSHOTS Thousands of South African mine workers walk on September 10, 2012 to the Lonmin mine in Marikana to try and stop other miners from going to work. Around 15,000 workers have downed tools in South Africa at a Gold Fields mine west of Johannesburg in the latest work stoppage to hit the vital mining sector, the company said onSeptember 10. Lonmin platinum mine said just 6 percent of its 28,000 workers turned up at its mine in Marikana, west of Johannesburg. Striking miners are asking for 12,500 rand (2,000 euros) per month pay, about double their current wages. AFP PHOTO / ALEXANDER JOEALEXANDER JOE/AFP/GettyImages ORG XMIT: -

Originalmente publicada pela Frente Anarquista Comunista Zabalaza (ZACF),

Entrevista com Warren McGregor da Frente Anarquista Comunista Zabalaza (ZACF), África do Sul: O que é anarquismo? Quem realmente governa a África do Sul? Nós deveríamos formar um “partido das(os) trabalhadoras(es)”? Como o anarquismo entende a opressão a racial e nacional? Como nós podemos construir contra-poder da classe trabalhadora? O que é o Estado de esquerda? Como nós podemos ligar lutas por reformas com a transformação revolucionária e contra-poder? De onde vem o anarquismo e qual a sua história na África do Sul? Para onde agora?

 

Warren McGregor é um militante nascido no distrito de cor de Cape Flats, agora residente em Johannesburg, onde ele está envolvido na educação e união da classe trabalhadora.

 

Leroy Maisiri (LM): Antes de tudo quero agradecer pelo seu tempo, por ter conseguido um espaço para a entrevista na sua agenda ocupada. Por favor, comece falando seu nome e suas afiliações políticas em organizações ou movimentos de esquerda.

 

Warren McGregor (WM): É um prazer, por favor me chame de “Warren”. Eu sou membro da Frente Anarquista Comunista Zabalaza (ZACF), assim como do Coletivo Africano Anarquista Tokologo (TAAC), e me identifico politicamente como anarquista.

 

LM: Parece ter um novo interesse, atualmente, em formar um “partido das(os) trabalhadoras(es)” na África do Sul. Algumas pessoas pensam que a União Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (NUMSA) vai ser o coração desse partido, dada a recente separação da Aliança Tripartidária do Congresso Nacional Africano (ANC), do Congresso dos Sindicatos Sul-africanos (COSATU), e do Partido Comunista Sul Africano (SACP). Outros depositam suas esperanças em formações como o novo Partido Socialista e das(os) Trabalhadoras(es) (WASP), ou até mesmo nos Combatentes pela Liberdade Econômica (EFF) de Julius Malema. E muitas pessoas tem grandes esperanças que a ANC pode ser expulsa de tais partidos nas próximas eleições. Você acha que existe a necessidade de um partido das(os) trabalhadoras(es) na África do Sul?

 

WM: Se eu acho que existe essa necessidade? Não. Fundamentalmente, você precisa olhar qual o propósito que um partido das(os) trabalhadoras(es) teria: obviamente seria o de qualquer outro partido, no caso, acessar o poder estatal. Historicamente, a ideia de um partido das(os) trabalhadoras(es) como uma maneira da classe trabalhadora tomar o poder e mudar a sociedade vem da tradição marxista e da democracia social, do desejo de ter acesso ao poder estatal através da revolução ou (usualmente, nos dias de hoje) dos meios eleitorais.

O que nós anarquistas diríamos é que não há necessidade um partido das(os) trabalhadoras(es). E, na verdade, isso seria um prejuízo para a luta das(os) trabalhadoras(es), não somente aqui na África do Sul, mas no mundo todo.

 

Para nós anarquistas, fundamentalmente, o poder estatal é parte do problema do porquê nós vivemos uma sociedade desigual. O real poder hegemônico, que já é dominante na sociedade, é o poder da classe dominante. Por “classe dominante”, nós anarquistas entendemos aqueles que dominam a esfera econômica assim como a esfera estatal. Nós incluímos na classe dominante os grandes empresários, mas também os chefes do Estado: os grandes políticos e aqueles que governam partes do Estado como o exército, sua polícia e seu judiciário (que, aliás, não são eleitos), assim como os grandes burocratas do braço estatal (todos não eleitos).

 

Então, nós incluímos eles na classe dominante. Nossa análise do Estado inclui as pessoas que governam o Estado como parte da classe dominante. As elites administram corporações, as elites comandam o Estado.

 

Por causa da nossa análise do Estado, nós não consideramos que ele possa ser um instrumento que possa ser usado na reconstrução da sociedade, ou para construir uma sociedade igualitária, e, portanto, nós não acreditamos que o socialismo possa ser criado através do Estado. Por “socialismo” nós entendemos uma sociedade sem classes, com a igual redistribuição da riqueza e do poder na sociedade, o que significa uma sociedade sem Estado, porque esse centraliza o poder.

Eu sempre digo: se nós queremos construir uma sociedade igualitária e sem Estado, como nós podemos usar o Estado para isso? É como dizer: “Em um ano eu quero fazer uma dieta sem chocolate, então eu não quero comer chocolate – e para isso, eu vou comer muitos chocolates! Então, talvez, o chocolate vai começar a ir pra longe!”

 

LM: Como você disse “não” para um partido das(os) trabalhadoras(es), qual é a alternativa para você?

 

WM: É continuar trabalhando para construir poder da classe trabalhadora no país, mas o que nós anarquistas, com o programa do anarquismo, vamos especificadamente construir é “contra-poder”. Esse é o poder que é contra o poder hegemônico, essencialmente um poder oposto, de fora e contra o poder da classe dominante – e seus Estados e corporações.

Para nós isso significa algumas coisas específicas. Isso é sobre construir um poder da classe trabalhadora que desafie a classe dominante, e que tenha a capacidade de reconstruir a sociedade desde baixo, em algum ponto no futuro. Os órgãos de contra-poder incluem sindicatos, grupos comunitários revolucionários e outras formações. E por “classe trabalhadora” nós não incluímos somente pessoas que trabalham de colarinho-branco. Todas as pessoas que trabalham para outras por salários e falta de poder são trabalhadoras, não importa seus trabalhos, e além das pessoas que trabalham, a classe trabalhadora inclui as famílias das que trabalham, assim como as pessoas desempregadas e, no geral, pobres.

Ao mesmo tempo, as organizações de contra-poder da classe trabalhadora devem não somente serem organizações de luta, mas também organizações de educação. Nós precisamos de uma educação radical que inclua a habilidade de analisar criticamente o seu redor, não somente a sociedade mas também você mesmo, da mesma maneira que sua organização.

Isso é sobre construir uma “contracultura” popular revolucionária que também lida com ideias, e com problemas como os que chamamos por “revolução” ou “democracia”, assim como os ideais que queremos para a sociedade futura, ajudando a colocar em prática agora, no desenvolvimento de nossas organizações, esses ideais. Então contra-poder e contracultura estão ligados necessariamente.

 

Por “democracia” como um objetivo, nós falamos de uma democracia radical, uma democracia direta, onde as pessoas que fazem parte de um projeto particular, de uma comunidade ou indústria, estão envolvidas com questões chave e conscientes de suas decisões, da mesma maneira que compartilham dos benefícios que resultam de colocar essas decisões em prática.

 

Para atingir uma sociedade diretamente democrática em todas as esferas, nós precisamos de uma transformação revolucionária em todas as esferas. Mas, para atingirmos uma transformação revolucionária, nós precisamos desenvolver democracia direta desde já nas organizações de contra-poder. Nós também precisamos desenvolver uma atitude revolucionária, um entendimento e uma consciência revolucionária. No final das contas, a capacidade dos órgãos de contra-poder se desenvolverem em direção à transformação revolucionária é determinada pelo desenvolvimento de uma contracultura revolucionária, de uma consciência revolucionária.

LM: Muito obrigado, bastante compreensivo. Você disse “transformação revolucionária”, então estamos simplesmente esmagando o Estado agora? Como reformas e lutas imediatas ficam? E o que, especificamente, você quer dizer por “transformação revolucionária”?

 

WM: O Anarquismo tem como objetivo uma transformação revolucionária da sociedade, e com isso nós queremos dizer uma completa inspeção da maneira que a sociedade é governada e organizada, para revolucionar os arranjos econômicos, sociais e políticos. Anarquismo não é sobre o caos, ou sobre uma falta de regras: é uma demanda por um conjunto de regras diferentes, por uma ordem diferente. Nós não pretendemos mudar as pessoas do topo da sociedade, ou nacionalizar a indústria pelo Estado: isso continua significando uma classe dominante controlando um sistema desigual.

Nós almejamos uma sociedade onde os meios de produção sejam comumente possuídos, uma sociedade que é auto-gerida e democratizada, sem hierarquias, sem opressão, e sem nenhuma classe dominante. Isso significa uma sociedade socialista e auto-gerida, igualitária e democrática, baseada na propriedade coletiva e na liberdade individual.

É isso que nós queremos dizer com revolução

Mas, para atingirmos isso nós precisamos construir um contra-poder revolucionário da classe trabalhadora, com o objetivo de que isso assuma a sociedade, e substitua o Estado e o capital. Isso significa construir uma massa de base.

Então, no processo de desenvolver contra-poder, você precisa atrair pessoas para as organizações. Isso significa ser capaz de conquistar reformas no dia-a-dia, usando as lutas cotidianas, baseadas na ação direta, não nas eleições e no lobby, para que isso melhore a vida das pessoas: lutar por melhor salários, por melhores condições de moradia e por acesso a melhores condições do capital e do Estado.

Ser anti-Estadista não significa necessariamente não usar lutas por reformas em meio à luta revolucionária. A ideia é que essas reformas não são o todo e o fim da luta, e que o contra-poder permaneça autônomo, fora e contra o Estado. As lutas por reformas são ganhas através da ação direta de movimentos autônomos, ligados à luta pela construção de um contra-poder e uma contra-cultura revolucionária.

A luta por reformas ajudam a desenvolver capacidades revolucionárias, conduzindo a um senso de coragem, onde as vitórias e derrotas da luta diária são ferramentas educacionais não somente paras as organizações populares como um todo, mas também para as pessoas em meio a essas organizações.

As vitórias ajudam a desenvolver um senso de confiança em si mesmo enquanto militante numa organização, enquanto um(a) organizada(o), e na própria organização. Derrotas podem ser instrutivas se nós decidirmos estudá-las enquanto posições de análise crítica. A revolução é o objetivo, o fim, e as reformas são necessárias, nem decisivas ou derradeiras, mas etapas no caminho da transformação revolucionária.

LM: Eu quero saber sua opinião sobre o estado da esquerda e do anarquismo atualmente.

WM: Globalmente, pelo menos nos últimos 30 anos, a esquerda tem estado um passo atrás, o surgimento da globalização neoliberal e a reestruturação do controle nas sociedades mudou a balança em favor das classes dominantes no mundo todo, acompanhada de ataques às organizações trabalhadoras. O colapso da União Soviética, que foi basicamente o colapso do marxismo clássico, teve um impacto massivo: você vê isso no maciço declínio do socialismo autoritário.

Mas nós também temos visto, apesar de Francis Fukuyama ter chamado esse período de “o fim da história”, várias lutas, em particular, lutas de movimentos sociais, lutas de desempregados e lutas das populações rurais e camponesas. Ao redor do mundo todo nós temos vistos insurgências, e esses novos movimentos, em certa medida, assumiram o lugar que os sindicatos costumavam ocupar. Embora os sindicatos estejam longe de morrer.

Nós também vemos um ressurgimento do socialismo libertário, em particular, o anarquismo. Hoje o anarquismo está, globalmente, em um processo de não necessariamente auto-definição, mas de redefinição e redescoberta, de ligação novamente com suas raízes históricas, recuperando partes da teoria e história anarquista que foi perdida ou destruída. Por exemplo, desde a Segunda Guerra Mundial, o que tem se escrito sobre a história anarquista está focado no norte da Europa e da América, partindo de perspectivas que desconsideram a maior parte do anarquismo que existiu e que existe globalmente e historicamente.

E ainda, nós vemos que muitas das lutas de hoje em dia, por exemplo, os movimentos de Ocupação, também refletem uma influência maior de ideias libertárias e anarquistas sem necessariamente serem puramente anarquistas. Muitas dessas ideias estão começando a encontrar mais espaço no mundo.

De qualquer maneira, há ainda uma longa caminhada para recuperar o espaço que os movimentos da classe trabalhadora costumavam ter algumas décadas atrás, quando eles costumavam influenciar a sociedade, e também recuperar o espaço para os ideais da esquerda revolucionária, especialmente o anarquismo, que pode mudar radicalmente a sociedade.

O fato que importa é que a direita radical – nas suas variações religiosas, fascistas, populistas e anti-imigrantes – é que está ocupando o espaço aberto pela massiva insatisfação popular com as elites dominantes.

LM: A África do Sul também tem uma longa tradição de esquerda e políticas da classe trabalhadora: onde o anarquismo se encaixa aqui?

WM: O Anarquismo, globalmente, teve sua era de ouro em termos de influência por volta de 1870 até o início de 1930, permanecendo importante depois disso, mas menos do que movimentos estatistas como o nacionalismo anti-colonial e o marxismo clássico. Mas antes disso, o anarquismo era certamente a ideia socialista mais dominante no mundo, com o seu “sindicalismo” tendo uma grande influência. Isso teve um papel chave no mundo colonial e pós-colonial, incluindo lutas anti-coloniais e anti-imperialistas.

Isso também teve uma importante influência nas organizações de trabalhadoras(es) negras(os) e brancas(os) na parte inicial dos anos 1900. Mas foi somente mais tarde, por volta dos anos 1990, que nós vimos reacender a presença anarquista na África do Sul, com esforços organizados em busca de se re-envolver nas lutas da classe trabalhadora. Tudo isso significa que o anarquismo aqui ainda é uma pequena força, antes de tudo na esquerda, e secundariamente, ainda menor em termos de influência ao longo da classe trabalhadora e das pessoas pobres.

Mas, por outro lado, nós não estamos somente crescendo enquanto organização e força organizada, mas, ainda mais importante, as ideias do anarquismo, quando engajadas de uma maneira adequada e honesta, encontram favoráveis na classe trabalhadora negra daqui. Muito mais importante do que sentar em comitês e coalizões como a nova Frente Unida, promovida pela NUMSA, ou perseguir sonhos políticos partidários, é um sistemático retorno ao trabalho cotidiano com pessoas da base da classe trabalhadora, para ganhar influência e desenvolver um quadro de anarquistas da classe trabalhadora negra que estejam envolvidos em lutas cotidianas, lutas comunitárias, lutas sindicalistas e etc.

LM: E a esquerda na África do Sul?

WM: Eu tenho tons de respeito, a despeito de qualquer divergência ideológica e diferenças de escolhas táticas e estratégicas, por outras pessoas da esquerda e de movimentos progressistas.

Há grandes diferenças em termos de estratégia e tática. Mas nós não somos sectários: nossa história mostra isso. Eu tenho me envolvido com o movimento anarquista por seis anos e meio, e está claro que anarquistas têm uma longa tradição de envolvimento na luta com organizações da classe trabalhadora, e isso inclui trabalhar com uma variedade de grupos socialistas e não-socialistas.

Nós absolutamente não rejeitamos trabalhar com outras organizações políticas, mas nós “desenhamos a linha” quando se trata do para quê nós estamos trabalhando: se algo vai contra nossos princípios ou contra a classe trabalhadora, nós desenhamos a linha e não cooperamos.

Nós promovemos abordagens estruturadas, democráticas, baseadas em mandatos para organizar e rejeitar o estilo “populista” da África do Sul. Isso está intimamente ligado à ANC e suas ramificações, que centra-se nos demagogos não-eleitos e incontáveis líderes auto-nomeados que dirigem as ações de multidões que não têm voz.

Fundamentalmente, não há como considerarmos um partido político, seja de esquerda ou direita, para o uso que for, seja a transformação revolucionária ou até mesmo reformas. Isso não impede a possibilidade de que nós iremos trabalhar, quando necessário, com pessoas de partidos políticos – e não somente com socialistas independentes ou revolucionários, porque nós iríamos trabalhar com membros comuns da SACP e ANC nas lutas. Essas organizações têm uma grande base de membros das classe trabalhadora que podem ser engajados.

Mas enquanto veículos para uma mudança radical? A SACP, ANC e, na verdade, todos os outros partidos, incluindo o EFF, não podem ser esses veículos. As eleições não ajudam e não vão ajudar. Para chegar à qualquer lugar nas eleições, a esquerda teria de gastar recursos para levar as pessoas a votar, recursos que poderiam estar sendo usados para construir a organização e a educação da classe trabalhadora, e mesmo que as cadeiras sejam ganhas, a representatividade é somente parte do problema, parte do aparato estatal e da classe dominante. Se a militância é canalizada para as eleições ou para um partido das(os) trabalhadoras(es), isso eventualmente significa a submissão da militância da classe trabalhadora às eleições.

Nós iremos apoiar qualquer iniciativa que mobiliza as pessoas e que tenha o potencial de se tornar contra-poder ou um espaço para ganhar pessoas para nossas ideias, que construa contra-cultura. Mas um partido das(os) trabalhadoras(es) eleitoreiro é um beco sem saída, um cemitério para as políticas de esquerda, democráticas e da classe trabalhadora.

O que vai mudar a sociedade é uma insurgência da classe trabalhadora organizada, estruturada, democrática e capaz de se desenvolver na direção do contra-poder e da contra-cultura, não a unidade da esquerda, que não é realmente possível. E essa insurgência requer não somente a organização de pessoas, mas também a transformação de suas ideias.

Nós, anarquistas, não somos messias que vamos trazer a real mudança, a transformação revolucionária. É a classe trabalhadora, por meio de uma longa e dura luta, com vitórias e perdas, construindo organização e consciência, apesar de sofrer qualquer derrota, que irá mudar o mundo. Não é uma solução rápida, não são promessas da política eleitoreira ou a liberdade desde cima. O poder estatal e as eleições nunca serviram à classe trabalhadora: essa é a solução rápida que não soluciona nada.

Olhe a EFF, por exemplo: no poder, voltou atrás em suas promessas e reproduz muitas características do populismo da ANC.

LM: Muito obrigado, mais uma vez, pela sua contribuição e pelo seu tempo.

Entrevista por Leroy Maisiri, 16 de dezembro de 2014, Johannesburg.

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Written by el Coyote