Por Mahfouz Ag Adnane*
Massacres contra civis tornaram-se rotinas cruéis no Mali, no contexto de uma guerra de muitas faces iniciada em 2012. Há ainda grande complexidade de atores e múltiplos fatores internos (militarização e marginalização crônica das regiões do norte, Azawad, e degradação da presença do Estado no centro) e externos (disputas entre potências – França, EUA, China, Arabia Saudita – pelo controle dos recursos do Saara e do Sael e economia baseada no tráfico de drogas e armas).
Em Karou-Ouatagouna no Cercle de Ansongo, região de Gao, república do Mali pelo Daesh/ Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS) a organização criminosa Daesh, ou seja, renomado como Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS) assassinou mais de 50 pessoas da comunidade Songay em várias localidades do departamento de Ansongo, região de Gao, norte do Mali/ Azawad (África do Oeste).
A prefeitura de Ansongo, em uma carta assinada no dia 8 de agosto, pelo segundo vice do prefeito, o resultado provisório era de 51 pessoas mortas em três vilas vizinhas de Karou, Ouatagouna e Daoutegeft, próximas à fronteira com Niger, após um ataque por volta das 18h. A ação é atribuída ao Estado Islâmico no Grande Saara que, além de aterrorizar e executar pessoas, saqueou suas casas e levou animais e cereais, entre outros bens. Segundo a reportagem da France24 no vilarejo de Karou, 20 civis foram chacinados. Em Ouatagouna foram 14 outros civis mortos e, em Daoutegueft, somaram dezenas outras civis que perderam suas vidas, a maioria delas pertencentes à sociedade Songhai, mas também, Temacheque.
Como tem ocorrido habitualmente, os atacantes agiram usando motos. Segundo contatos locais, as vilas de Ouatagouna e Karou são dos Songhai e Daoutegueft é uma aldeia tuaregue próximo ao rio Níger. Os testemunhos das pessoas identificam os agressores, sendo majoritariamente de comunidades fula. Estes acusam os habitantes de terem colaborado ou fornecido informações ao exército do Mali, à Munisma (Missão Multidimensional Integrada para Estabilização das Nações Unidas do Mali, iniciada em 2013) ou à operação Barkhane (operação francesa anti insurgente na região do Sahel, iniciada em 1 de agosto de 2014).
Um contingente foi ao local, mas não conseguiu localizar os assassinos. Além disso, a rede foi cortada pela mesma organização terrorista e toda a região de Gao passou uma semana sem a rede telefônica, a única forma de comunicação, pois as pessoas somente usam os dados de telefone para se conectar na internet.
A situação é tensa e a população ironicamente está sem proteção apesar da presença expressiva de soldados nacionais e de estrangeiros.
Esse mesmo modo de operar tem sido, também, frequente na região Dogon- conhecida internacionalmente pelo turismo – onde as vilas têm sofrido ataques e declaram-se igualmente abandonadas pelo Estado do Mali, além de denunciar a tolerância à insegurança constante.
*Mahfouz Ag Adnane é Doutor e mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP, mestre em História da África Contemporânea pela Universidade do Cairo. Concluiu especialização em História Africana Contemporânea no Instituto de Pesquisa e Estudos Africanos da Universidade do Cairo. Graduou-se em história pela Universidade Al-Azhar, Egito, em 2010. Dedica-se aos estudos sobre a história do Saara, principalmente, da sociedade Tamacheque (Tuaregue), tanto no período colonial como após as independências dos países africanos. É membro e pesquisador da Casa das Áfricas, núcleo Amanar; membro do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora – CECAFRO/PUC-SP. Contato: [email protected]