Por Paul Mason ,originalmente publicada no Guardian
Os diários do general da União ,William Tecumseh Sherman são uma leitura desconfortável. Entre as ordens de batalha e a descrição racista dos escravos libertos, ele ocasionalmente lança reminiscências da época do pós guerra, e dos encontros amigáveis com ex-inimigos confederados. Entre jogos de cartas e a ceia, ele aceita a afirmação deles de que, se alguém ordenou o massacre das unidades formadas exclusivamente por negros durante o combate, não foram eles.
Sherman se opôs à emancipação dos escravos, sabotou os esforços de suas próprias tropas para libertá-los e usou trabalho escravo em suas fortificações. Ele ainda fez mais uma coisa, que à luz da marcha fascista em Charlottesville, pode nos ensinar nos dias de hoje. Ele declarou guerra total a seus inimigos. Ele ordenou que suas tropas arrancassem milhas de trilhos, queimou fazendas de senhores de escravos que resistiram e queimou Atlanta. Então ele zarpou para o mar, dizendo suas palavras célebres, que se a guerra era o remédio que o sul tinha escolhido, “eu digo que daremos a eles tudo o que eles querem.”
Ninguém, ao ver as milícias marchando com rifles de assalto e Kevlar no último fim de semana(12/08/2017), quer que os EUA entrem em conflito. Mas a violência política de baixo nível e os deslocamentos culturais dos EUA nos dias de hoje contém paralelos óbvios com os anos antes da Guerra Civil Americana.
Como observa o historiador Allan Nevins, no fim dos anos 1850 os brancos na América se tornaram “dois povos”, cujas identidades culturais radicalmente diferentes não poderiam formar.
Logo, esses “dois povos” foram moldados por dois modelos econômicos rivais: indústria e livre mercado contra agricultura de arrendamento e escravidão. Mas os conceito que os confederados levaram para a batalha com eles sobreviveram: direito dos estados versus governo federal; supremacia branca; o conceito de uma nação definida por etnia com um destino determinado por Deus.
E eles não sobreviveram por acidente. A estátua do comandante confederado Robert E. Lee, que a câmara municipal de Charlottesville aprovou a remoção, é uma de uma rede de monumentos que se tornaram ícones da resistência do movimento cultural de direita agora energizado pela vitória de Donald Trump.
Nathan Bedford Forrest, o comandante sulista de cavalaria que massacrou soldados negros e veio a fundar a Ku Klux Klan, é celebrado não só por uma estátua oficial em Memphis, mas por uma estátua dourada não oficial em propriedade uma privada em Nashville, cercada de bandeiras confederadas. Forrest foi um gênio militar cujas táticas de guerrilha são estudadas nas academias militares até hoje. Mas o Marechal de campo da Wehrmacht Erwin Rommel também é. Eles dois lutaram pelo genocídio e pela supremacia racial.
Com bandeiras confederadas misturadas com suásticas nas ruas de Charlottesville, não os EUA mas as pessoas progressistas de todo o mundo que precisam se fazer um dura pergunta: O que estamos preparados para fazer para derrotar a direita racista?
Eles declararam guerra cultural a nós.”toda essa comunidade é uma comunidade de extrema esquerda” Jason Kessler, organizador da marcha Unite the Right, disse para a mídia, adicionando que os moradores de Charlottesville “absorveram os princípios do Marxismo Cultural defendidos nas cidades universitárias por todo o país, culpando as pessoas brancas por tudo.”
Isso não é um pedido de ajuda nem um requerimento por reformas: é uma expressão do mesmo tipo de hostilidade cultural à modernidade que você pode encontrar nos escritos dos líderes políticos Sulistas. Eles consideravam qualquer demanda por igualdade negra perante a lei como “jacobina”– o equivalente do século XIX ao marxismo. Eles, também, viam a elevação das pessoas negras ao status de seres humanos como o prenúncio do fim da civilização deles.
E não são só alguns milhares de adolescentes tristes vestindo camisas polo apertadas que temos que lidar. São estudos pós-eleição que mostraram que a coligação eleitoral de Trump teve um reforço dando a milhões de pessoas a permissão para expressar seu racismo e sua misoginia violenta. Ao eleger Trump, seus apoiadores declararam guerra cultural aos EUA liberais, progressistas e disseram àqueles que insistiram que “vidas negras importam”(Black Lives Matter) que eles não se importavam.
O silêncio radiofônico de Trump depois do assassinato de Heather Heyer, executado pelo supremacista branco James Alex Field, não foi acidente. Existem alguns com ligação com a extrema direita em sua própria equipe, incluindo Steve Bannon e Sebastian Gorka. Toda sua movimentação se baseia em reforçar o racismo, não em suprimi-lo. Antes de tudo foi o jornalista da New Yorker, Carl Paladino que disse que Michelle Obama deveria “voltar a ser um homem e se soltar nas savanas do Zimbabwe onde ele vive confortavelmente em uma caverna com Maxie, o gorila.”
Durante o último ano da Guerra Civil Americana, Sherman, que também era racista, pensou pragmaticamente que nada desligaria a população do sul de sua ligação com o modelo econômico escravista , e da cultura ligada a ele, além de sua destruição física.
Hoje parece que não existe mais nenhuma infraestrutura física do racismo americano para destruir. Mas ela existe. A atuais regras operacionais de policiamento que veem um rosto negro como uma desculpa para parar e revistar: a criminalização do jovem negro por meio do sistema judicial. A existência, por toda a vida pública, de uma segregação não reconhecida. E a câmara de eco implacável de atitudes racistas cujo topo é a Fox News, mas cujas profundezas são os programas de entrevistas das rádios locais que despejam cachoeiras de discurso de ódio pelo seu rádio assim que você muda de frequência no limite da cidade.
Cada uma das pessoas que mostrou a cara na marcha fascista das tochas tem o direito constitucional à liberdade de expressão. Mas eles também têm websites hospedados por companhias dos EUA, empregos , contratos de telefonia, contas de banco. Não existe direito constitucional ao uso da infraestrutura corporativa dos EUA para organizar violência
Além de tudo, a instituição que permite o recrudescimento das ações violentas da extrema direita é a presidência de Trump.
Por todo o mundo, liberais e progressistas são confrontados por movimentos que querem retroceder as mudanças sociais dos últimos 50 anos. A resposta tem sido olhar para os rancores econômicos que podem ser abrandados, o buscar proteção por meio da lei e da constituição e – em um nível granular- ignorar os desabafos sem sentido contra imigrantes, negros e muçulmanos de parentes, motoristas de táxi ou do sujeito do nosso lado no balcão do bar.
Nós poderíamos ter parado tudo isso muito tempo atrás. Charlottesville foi um grito de alerta para os progressistas em todos os lugares. Esteja você em uma cidade universitária ou em uma cidade multiétnica assolada pela pobreza, Kessler e seus aliados por todo o mundo estão se mobilizando para punir sua comunidade por seu “marxismo cultural”.
Se alguém está lutando uma guerra cultural contra você, alguma hora você vai ter que revidar.