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“Pense no Haiti, reze pelo Haiti, o Haiti é aqui”

Chegamos a um março. Este artigo deveria ter saído no início do mês para falar sobre os desafios do movimento feminista no Brasil e as pautas do 8 de março. Não consegui entregá-lo a tempo. Fosse pela ansiedade de ver os números de mortes por Covid-19 aumentarem dia após dia no Brasil, fosse por conta a organização de questões pessoais da minha vida que as vezes pesam.

A questão é que não dá para olhar para o mundo e percebê-lo sem colocar na régua de análise a pandemia. Ainda mais se tu moras em um país latino-americano governado por um genocida que se aproveita do advento da pandemia para dizimar a população mais vulnerável do país.

É inegável que o que ocorre no Brasil é um genocídio, só resgatarmos a inoperância pela qual Bolsonaro se orgulhou durante todo o ano de 2020 enquanto os números de mortos pela Covid-19 subiam. Os brados do presidente falando que não iriam comprar a vacina produzida em parceria com o Instituto Butantan, a propaganda e financiamento de produção de medicamento que comprovadamente não funcionam contra a Covid-19 e tantos outros episódios que deixaria qualquer roteirista de série sobre política no chinelo.

Esse processo simbolizado pelo governo Bolsonaro não é apenas responsabilidade dele. É só vermos ao final de 2020 a maioria dos governadores afrouxando medidas, pressionando os profissionais da rede pública de educação para voltarem a darem aulas presenciais e outras ações que iam na contramão do que os especialistas diziam. O negacionismo não foi e não é uma exclusividade de Bolsonaro.

E tem mais, não dá para olhar para a tragédia que vivemos em nosso país se entender o quanto ela atinge diretamente as comunidades não-brancas do país

Lembremos das denúncias de líderes indígenas no norte do país de missionários espalhando temores a vacina em algumas aldeias, inclusive repassando vídeos do Pastor Silas Malafaia como Miguel Aparicio narra em “Covid-19: Por que há missionários que não querem vacina para indígenas?” . O que aumenta a preocupação do impacto da pandemia nessas comunidades e localiza o descontrole da pandemia proporcionado pelo governo Bolsonaro como uma arma de extermínio da população indígena.

Além do impacto que a pandemia vem tendo junto as populações indígenas, também temos o impacto na população negra. Segundo levantamento feito pelo Instituto Pólis na cidade de São Paulo entre março e julho de 2020, a população negra teve mais óbitos por Covid-19 do que a população branca. Esse é um dos poucos dados levando em conta a questão raça/etnia que foram produzidos durante toda a pandemia. Mesmo que saibamos que 67% do público total que utiliza o SUS são negros.

As maiores vítimas dessa pandemia são os mesmos setores sociais que são vítimas de todas as políticas racistas que estruturam o Estado brasileiro desde seu início. Quem tem pago a conta com suas vidas neste último ano são os mesmos que sempre pagaram ao longo dos séculos: negros e indígenas.

Somos nós que estamos em maioria nas prisões, locais estes que colocavam o Brasil como segundo país com mais contaminação em seus estabelecimentos carcerários e – assim como no resto do país – há pouquíssimas ferramentas apresentadas pelo governo para controlar o avanço da pandemia nestes locais. Mesmo que o CNJ tenha recomendado uma série de medidas de combate a pandemia em 2020 e reafirmado a necessidade delas agora em 2021, o que vemos na prática é o completo abandono da população carcerária ao medo e a contaminação por Sars-CoV2.

Há quem ache que não se deva chamar Bolsonaro de genocida por que não vemos características costumeiras da prática de genocídio no Brasil como campos de concentração. Ao ver o que acontece no Brasil, os parcos dados que temos sobre o impacto da pandemia nas populações negras e indígenas, o aumento da contaminação nos estabelecimentos carcerários, ação cotidiana do negacionismo ao não promover protocolos de segurança que garantam o mínimo como: ar de locais fechados sejam filtrados e distribuição massiva de máscaras PFF2 e álcool em gel para a população, a negação de auxílio emergencial em um valor decente que garanta as famílias adquirirem produtos de primeira necessidade em plena alta do custo de vida e tantas outras ações contra o nosso povo não dá para negra que há sim um processo deliberado de genocídio.

Ao final de tudo o que resta constatar sobre a situação dramática do Brasil é que Gil e Caetano nunca estiveram tão corretos.

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Written by Luka