Por Joseph Todd, Originalmente publicado em Roar Magazine
A vida na era da paisagem de dados é selvagem. Nós podemos nos comunicar com qualquer pessoa, de graça, pelo mundo todo. Nós podemos nos dedicar profundamente às vidas daqueles que amamos independente de sua localização geográfica. Nós podemos mapear o caminho que faremos em cidades desconhecidas. Nós podemos criar, editar e compartilhar textos, sons, fotos e vídeos instantaneamente, de forma colaborativa por meio de múltiplos dispositivos, rapidamente. Nossos cérebros com padrões e subjetividades se tornaram tecnologicamente aumentados. Mecanismos de pesquisa e redes sociais se tornaram extensões do eu.
O lado ruim da nossa era é o rastro digital pesado que nós deixamos para trás. Todos os movimentos são rastreados pelos serviços de localização dos nossos smartphones. Cada necessidade, vontade e desejo é gravada na forma de termos de pesquisa, nossa comunicação por telefone, mensagens de texto e emails estão potencialmente grampeadas, o conteúdo dos nossos e-mails e mensagens instantâneas são algoritmicamente catalogadas por temas e palavras-chave.
Esses dados- que são coletados, categorizados e descritos em vastos volumes como metadados– são uma reserva de valor explosiva que emergiu nas últimas duas décadas. São as nossas vidas, gravadas, exploradas e armazenadas. É informação que, antes da mediação digital e da captura da existência humana, estava perdida no éter. E é desses vastos armazéns de dados, essas representações virtuais de nós, que monólitos da tecnologia como Google e Facebook extraem seu valor parasitariamente. E por isso que nós deveríamos exigir remuneração. É contra essa privatização que nós devemos exigir liberação dos nossos dados.
Parasitas de dados
Google e Facebook são enaltecidos tanto como provedores de uma infraestrutura benéfica, transformadora e gratuita, ou como praticantes de uma coleta de dados total crescente, nefasta , auxiliar da vigilância de cada movimento. Nenhuma dessas duas caracterizações é totalmente correta. Enquanto serviços como email, troca de mensagens, busca e mapas se estenderam e transformaram nossas habilidades de comunicação, intelectual e logística, eles não são oferecidos por benevolência, nem de graça.
Simultaneamente, enquanto essas corporações têm a habilidade de construir perfis incríveis sobre indivíduos, suas aspirações não são totalitárias. Eles não estão interessados em liberar potencial humano, mas também não estão interessados em nos controlar via vigilância. O que eles buscam é a extração de lucro. Eles tem como objetivo reproduzir capital. Como toda corporação, eles buscam lucro.
Isso é algo que o Google e o Facebook fazem incrivelmente bem. Além de valer cerca de $800 bilhões juntos- mais que o total do PIB da Holanda- eles também são as duas corporações de crescimento mais rápido na história do capitalismo. E ainda, é misterioso de onde esses valores se originam. Nem o Google , nem o Facebook criam conteúdo, só uma infraestrutura que cataloga e classifica. Eles também não cobram por seus produtos ou serviços, ao contrário, eles distribuem seus produtos de graça. Ambos têm carga de trabalho baixa, considerando seu tamanho, o valor do Facebook é próximo de cinco vezes o valor do Starbucks enquanto emprega só 7% da força de trabalho.
Então como essas companhia chegaram a valores tão altos? Isso aconteceu por que nós- os consumidores, usuários e produtores- trabalhamos para o google e o Facebook de graça. Nós criamos o conteúdo que eles indexam. Nós expomos nossas vidas para captura e cercamento. Nós deixamos que eles nos explorem por dados. Os dados então são reunidos e descritos em metadados. Os metadados são usados para nos oferecer a publicidade precisa, dirigida da qual os fluxos de rendimento de que o Facebook e o Google dependem. Nossa própria existência é uma paisagem de dados, ao nos tornarmos seres digitais, nossas vidas são espremidas em busca de lucro.
Trabalho de produção dados
Essa noção de um trabalho de de dados oculto se alinha com a de teóricos do trabalho digital como Tiziana Terranova. Seu trabalho catalogando a exploração da paisagem de dados e a existência de “sweatshops digitais” tem sido importante para desglamourizar o trabalho digital e expor companhias- como o Huffington post que conta com vastos setores de escritores não pagos- pelo que elas são:exploradoras da crescente precariedade da indústria cultural e de outros setores. Mas , além disso, Terranova argumenta que esse trabalho também é difuso, essencial e existencial que meramente por existir na paisagem de dados, pelas formas mais básicas de engajamentos, nós estamos trabalhando nos interesses do capital.
Eu vou admitir, isso soa peculiar. Usar o Google ou o Facebook não aparece trabalho. É uma atividade de lazer que nós escolhemos fazer,ou pelo menos um serviço conveniente que melhora nossas vidas.enquanto o último é verdade, o uso desses parasitas de dados está se tornando cada vez mais difícil de evitar. À medida em que eles se instituem como a infraestrutura invisível tanto do mundo digital quanto do mundo físico, nosso engajamento progressivamente coagido começa a parecer muito com o trabalho.
Já que nós vamos existir na paisagem de dados, nós não podemos evitar serviços de data mining como email, serviços de busca e mídias sociais. Não ter um endereço de email, por exemplo, pode resultar na exclusão de círculos sociais, das compras online, do online banking,da maioria dos espaços de comunicação virtual e de quase todas as formas de comunicação digital. Mecanismos de busca também são evitáveis. Engajamento construtivo na vasta selva da web é impossível se você não usa o google ou um de seus concorrente. Ao mesmo tempo, cada um dos p maiores provedores de email e mecanismos de busca vão peneirar algoritmicamente cada palavra que você digitar. Seus pensamentos, pesquisas, comunicações e desejos serão capturados e transformados em Metadados valiosos, privatizados.
Nós podemos ir além disso, contudo. Progressivamente, o envolvimento com a paisagem de dados- e portanto com esses parasitas tecnológicos- também é um pré-requisito para uma existência significativa no âmbito físico . Email é uma necessidade inevitável em para boa parte do trabalho do século XXI. mecanismos de busca são essenciais para quem queira executar qualquer trabalho com algum componente informativo. O Google maps é indispensável para o número cada vez maior de trabalhadores freelancers precários que tem que navegar pelas cidades com rapidez.
Dessa forma, esses parasitas de dados se estabeleceram como uma infraestrutura inevitável, onipresente na paisagem de dados da qual cada vez mais dependemos para nossa própria manutenção. O uso delas se torna normalizado e esperado. Nossas vidas se canalizam cada vez mais por meio deles. Mais e mais ações do nosso dia a dia são capturadas em busca de dados, e produzem valores para essas corporações.
Muito dessa inevitabilidade-dessa existencialidade forçada- vem do fato que nosso engajamento é a fonte principal do valor deles, de que os dados que eles extraem também é lucro, e parece óbvio que nosso uso desses serviços de data mining é trabalho. Nós não podemos evitá-los. Nós somos coagidos a fazê-lo. Elé produtor direto de capital. Nós somos trabalhadores de dados.
Resistencia na paisagem de dados
À luz dessa reestruturação, o sonho tecnológico dos fundadores do google rapidamente se torna um pesadelo.Sergey Brin pensa na possibilidade de criar “uma pequena versão do google que você simplesmente pluga no seu cérebro,” para que , como coloca Schmidt, “nós poderemos saber o bastante sobre você para te dar informação dirigida, para fazer uma integração instantânea acontecer.”
Está clara a intenção do google de se “existencializar” totalmente. Para ocupar as pastagem mais ricas em dados. Acoplar seu parasita em sua fonte- nossos cérebros- e garantir a captura,isolamento e privatização da totalidade da percepção humana. O Google se tornará biológico, cada piscadela da nossa consciência fará o lucro deles.
Esses futuros distópicos miseráveis só podem ser evitados se nós garantirmos que a realidade do trabalho dos dados e o uso deles para questionar as formas atuais de resistência e informarem as alternativas potenciais. Por exemplo, se nós continuarmos a ver as lutas pela privacidade como panopticas e não como econômicas, como uma luta contra vigilância em vez de uma luta contra a extração de lucro, nós vamos continuar a ofuscar as intenções extrativistas, de data-mining dessas corporações.
Uma alternativa tática é começar a associar as políticas privadas do Google e do Facebook aos contratos tradicionais de trabalho- com todas as lutas colaterais ligadas a pagamento, condições e carga de trabalho. Essa remodelação nos ajuda a pensar nossa verdadeira posição em relação a esses tecno-parasitas. Nós não somos os beneficiários gratos de serviços grátis como os executivos do vale do silício dizem, nem somos os súditos controlados e vigiados apresentados pela centro esquerda. Em vez disso nós somos trabalhadores. Trabalhadores que devem exigir mais que alguns serviços gratuitos como remuneração.
Isso implicações óbvias e poderosas na política pós-trabalho. Srnicek e William discutem, em seu explosivo tratado pós-capitalista Inventing the Future, que a introdução de renda mínima universal que nunca ganhará alguma tração a menos que um projeto contra hegemônico para abalar a ética de trabalho montada na garupa. Esse tipo de tarefa será difícil, entretanto, se as definições populares de trabalho caírem nas coordenadas tradicionais como quantificável, calculadas por hora e explícita e obviamente coagidas. Entretanto, se nós pudermos popularizar um conceito de trabalho como algo disperso, contínuo e entranhado na infraestrutura digital da qual nossas vidas dependem, uma forma de remuneração que seja similarmente generalizada, como a renda mínima universal, começa a fazer sentido.
Outra realização que esse realização que essa reestruturação traz é o potencial dos metadados como um novo estoque de valor, e a velocidade em que eles são capturados e privatizados. Antes, quando nós buscamos informação em um livro ou perguntávamos a outro ser humano cara a cara, essas externalidade eram perdidas imediatamente- desaparecendo no éter. Mas na era dos dados, nossas vontades, desejos e capacidades criativas-ou nosso “intelecto geral” como Marx chamou nos Grundrisse– são digitalizados e gravados.
Nós precisamos conceituar essas redes como uma nova forma de maquinário social, um novo modo de produção do qual nós podemos tirar imensas quantidades de valor-evidenciado na incrível crescimento do Facebook e do google- somente se eles forem liberados do confinamento privado. Isso não é uma afirmação, como muitos utópicos da tecnologia tanto na esquerda quanto na direita fazem, de que a proliferação da informação sozinha vai causar o surgimento de uma era pós-capitalista, pós-escassez. Ao contrário disso, é o reconhecimento de que a era dos dados trouxe consigo um novo estoque enorme de valor, e que os potenciais para seu uso- por indivíduos por meio da produção em rede, de código aberto- está apenas começando a ser atingida.
Tecno-futuros
Os argumentos acima podem parecer tentadores para que boa parte da esquerda adote uma posição tecno-rejeicionista. Para muito da esquerda mais tradicional pode parecer uma tendência explícita apoiada na inércia e no dogma. Noções ortodoxas da fábrica como local de produção e do proletariado como classe revolucionária ainda predominam, e de várias formas entra em conflito com a reprodução social, a multidões digitais executando trabalho por meio de dados e, mais genericamente, com a importância dos novos desenvolvimentos informacionais, imaterial no capitalismo.
Na “new left”, nós encontramos uma superposição de rejeição e abraço tecnológico. Enquanto em um nível nós vemos um abraço ardente às tecnologias capitalistas como meio de amplificar a luta, também existe um impulso concorrente que prefere o local, o imediato, o corpóreo e o que está situado geograficamente acima de tudo mais. A ocupação de praças, assembleias nas esquinas ou ações diretas contra fabricantes de armas, a expansão de aeroportos ou a mineração de carvão a céu aberto, são todos exemplos de uma prática que premia o imediato como genuíno.
Enquanto a orientação localista está no coração de incontáveis iniciativas de solidariedade, centros sociais, cooperativas e projetos comunitários que podem um dia formar a base de uma sociedade descentralizada, sem estado, há uma tentativa nessas formas de organização de esquecer-se da rede em si. De ignorar o valor das tecnologias globais. De retroceder a análise e a liberação de redes comunicativas e de informação que foram capturadas pelo capital- precisamente porque elas não são localizáveis, viscerais e de experiência imediata.
Enquanto a necessidade de reconstruir um mundo pré-paisagem de dados é selvagemente impopular- quem vai largar o Google- também é um recuo desastroso do horizonte utópico se nos acovardamos diante dessas complexas tecnologias globais. Em vez disso, nós precisamos construir uma visão radical de como nós podemos tomar e moldar essas tendências da paisagem de dados a nosso favor. Nós precisamos abraçar o futuro como nosso terreno natural. Nós precisamos nos empenhar para torná-las nossas.
Duas propostas se tornam imediatamente óbvios. A primeira é um renda básica universal financiada por um imposto sobre esses tecno-parasitas. Vindo do reconhecimento de nosso trabalho oculto existencial de produção de dados. Isso representaria uma remuneração apropriada e explícita para nossas atividades online, reconhecendo a natureza generalizada e inquantificável desse trabalho e o fato de que, de maneiras diferentes, todos nós criamos e reproduzimos a paisagem de dados.
Entretanto, esse movimento ainda seria moderado, próximo de promover um trabalho mal pago a uma forma de trabalho assalariado. A meta real, que Paul Mason sugere em Postcapitalism: A Guide to our Future, é não apenas a o reconhecimento e remuneração do trabalho de produção de dados, mas o acesso e a possibilidade de utilizar essas vastas quantidades de dados anteriormente não-confinados, por meio de tecnologia de código aberto, e modos Peer-to-peer de produção
Atualmente a uma assimetria de dados. Tanto considerando que parasitas de dados, governos e corporações mais tradicionais sabem muita coisa sobre nós, nós sabemos muito pouco uns sobre os outros. Nós sabemos muito pouco sobre as letras grandes da sociedade. Nós só podemos começar a imaginar as possibilidades que esses estoques de metadados podem trazer se eles forem usados para o bem público, em comum.
É essencial que nós liberarmos esses dados das mãos privadas. É imperativo que nós socializemos a vasta riqueza que esses parasitas de dados extraem. É hora de nós começarmos a socializar a internet.