O que era uma ameaça tornou-se realidade: Ancara lança grande operação militar contra a região de Afrin (ou Efrin), nordeste sírio, situada em Rojava, também conhecida como Curdistão Sírio.
“A operação começou de facto com bombardeios transfronteiriços“, disse o ministro turco da Defesa, Nurettin Canikli, acrescentando que nenhuma força havia atravessado Afrin.
Chamada por “Operação Olive Branch”, a campanha foi lançada dia 19 de janeiro e conta com apoio de rebeldes jihadistas que controlam uma região em Rojava que divide o cantão de Afrin e os demais cantões a oeste, onde estão cidades como Manjib, Kobane e Al Qamishly. Dentre as forças rebeldes que controlam essa região desde a operação “Escudo de Eufrates”, realizada em 2016, destaca-se o grupo Faylaq al Sham, ou Legião do Sham, dissidência sunita-salafista do Exército Livre da Síria e da Irmandade Muçulmana que reune em torno de 4 mil combatentes de 19 grupos diferentes.
Desde o início do dia 19, intensos bombardeios turcos foram lançados em cidades como Tal Rifat, Sheikh Issa, Kafrnasih e Harbul Zawyan, no sudeste do cantão, como também em Bulbul, região ao norte de Afrin, já bem próxima à fronteira com a Turquia. Como retaliação, mísseis também foram disparados desde as posições curdas, e combates intensos estão acontecendo entre tropas curdas + SDF (Forças Democráticas Sírias) contra tropas turcas e os rebeldes jihadistas apoiados por Erdogan.
“A operação antiterrorista começou, de fato, em Afrin“, afirmou Erdogan em comunicado oficial. Voltando seu discurso ao ocidente, afirmou também que “o ocidente deve entender que a Turquia é um aliado que deve ser tomado em conta e com o qual é preciso cooperar na região“, segundo informa a agência Anadolu. Esse discurso é direcionado diretamente à coalização internacional, liderada pelos EUA, membro da OTAN assim como o país turco, que dão suporte aos curdos sírios na guerra contra o ISIS.
Informações dão conta de que os grupos rebeldes apoiados pela Turquia mobilizarão 5000 homens para a primeira etapa da operação em Afrin, e fotos desses grupos rebeldes carregando a bandeira turca são compartilhadas nas redes sociais.
Operação Hunting the Wolves
Pelo lado curdo, a operação de resistência levará o nome de Hunting the Wolves, ou, em uma tradução livre, “caçando os lobos”. As informações a respeito da quantidade de combatentes curdas e curdos em Afrin são contraditórias: algumas dão conta de 50 mil combatentes, enquanto outras informam números menores. O fato é que em todas as frentes de ataque turco-jihadistas, grandes contigentes de curdos estão repelindo os ataques em terra e no ar.
A Rússia
Presentes no cantão de Afrin, foram registradas informações contraditórias sobre as forças russas; algumas fontes deram conta de que elas estavam se retirando da região para se instalarem nas áreas controladas pelo exército sírio, mas em coletiva de imprensa, o ministro do exterior russo Sergei Lavrov desmentiu essas informações e afirmou que as forças russas permanecerão instaladas na região de Afrin como observadores do conflito.
Os EUA
Os EUA, por sua vez, com patrulhas militares instaladas na região curda a leste do Rio Eufrates e da região controlada pelos rebeldes pró-Turquia, comunicaram que permanecerão na região fronteiriça junto às Forças Democráticas Sírias, nos arredores da cidade de Manbij. Em entrevista à CNN, autoridades estadunideses afirmaram que rebeldes de origem turca na área estão eventualmente disparando contra as suas patrulhas, o que tem levado às forças dos EUA ocasionalmente retornarem fogo.
A Síria
O governo sírio foi contundente ao comunicar que considerará qualquer operação turca como uma agerssão ao país: “advertimos à autoridade turca de que, se iniciassem operações de combate na área de Afrin, isso será considerado um ato de agressão pelo exército turco“, declarou o vice-ministro de relaçõe exteriores Faisal Meqdad. Ainda continuou, “as defesas aéreas da Síria restauraram sua força total e estão prontas para destruir alvos de aviação turcos nos céus da República Árabe da Síria“, e que “a presença de quaisquer forças turcas em terras sírias é totalmente rejeitada“. Apesar desse comunicado, caças turcos sobrevoam o céu sírio e bombardeiam posições civis e militares curdos. Cumpre-se salientar que Erdogan é contrário ao regime de Bashar Al Assad.
Acadêmicos, intelectuais e ativistas internacionais
Enquanto o ministro da defesa turco Nurettin Canikli comunicava que “a operação em Afrin é um direito da Turquia, garantido pelo direito internacional”, acadêmicos, intelecutais e ativistas de destaque internacional lançavam uma campanha internacional por Afrin, chamada “Não deixem que Afrin se torne uma nova Kobani: Declaração urgente de acadêmicos e ativistas”. Figuras como Noam Chomsky, Debbie Bookchin, Nadje Al-Ali, David Graeber e Marina Sitrin assinaram a declaração, em que rechaçam o ataque turco à região que resgatou milhares de refugiados pela guerra e que até então se destacava por ser uma região mais estável e segura do país sírio. Ainda denunciam que o ataque patrocinado por Erdogan envolve grupos jihadistas, como a Al Qaeda, e finaliza de forma categórica (tradução livre):
Um ataque desse tipo contra os cidadãos pacíficos de Afrin é um flagrante ato de agressão contra uma região e população pacífica e democraticamente governada. A Turquia não pode realizar esse ataque sem a aprovação da Rússia, Irã e Síria – e a inatividade dos EUA para detê-lo. O povo curdo sofreu a perda de milhares de homens e mulheres jovens que se juntaram ao YPG e à força das mulheres YPJ para livrar o mundo do ISIS. Os Estados Unidos e a comunidade internacional têm a obrigação moral de defender o povo curdo agora. Convocamos os oficiais dos EUA e a comunidade internacional a garantir a estabilidade e a segurança de Afrin e evitar novas agressões turcas na Síria e em toda a fronteira da Síria.
Fotos, declarações e textos nas redes sociais mostram milhares de pessoas em Afrin em grandes marchas contra a agressão turco-jihadista, carregando bandeiras das YPG e YPJ, dispostas a lutarem e resistirem até o fim.
Campanhas nas redes sociais
Campanhas com hastags foram lançadas nas redes sociais, sobretudo no twitter, com as inscrições “#AfrinNotAlone“, “#AfrinUnderAttack“. Nestes links podemos ter contato com os conteúdos produzidos com essas hastags.
Coincidente ofensiva do ISIS ao sul de Deir EzZor
Coincidentemente, o Estado Islâmico lançou também em 19 de janeiro uma grande ofensiva contra áreas controladas pelas Forças Democráticas da Síria ao sul da província de Deir EzZor, região libertada das mãos do ISIS há poucas semanas. A Turquia é acusada de dar suporte ao ISIS desde o início da guerra, favorecendo livre circulação de jihadistas em seu território e suas fronteiras, além de ser acusada de comprar petróleo do grupo jihadista quando controlava grande parte do território sírio.