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Revolução Curda em iminente ameaça: os EUA em cumplicidade com a invasão turca em Rojava

No dia 19 de dezembro, Donald Trump anunciou de surpresa a retirada das tropas americanas que estão na Síria, o que já está sendo colocado em prática, com previsão para conclusão de entre 60 a 100 dias, recuada, após pressão, para 4 meses. Em 7 de janeiro, Trump escreveu em sua conta do Twitter que “essa retirada segue em ritmo adequado e, ao mesmo tempo continuarão lutando contra o ISIS e fazendo tudo mais que seja prudente e necessário”.

Esta decisão traz consequências diretas para a região autônoma no Norte da Síria, em que os curdos, árabes e outros povos tentam construir uma nova sociedade, através do projeto político do confederalismo democrático. Entretanto, faz necessário entendr que, apesar de que os Estados Unidos vêm dando suporte logístico-militar aos curdos desde
2014, não há absolutamente nada além de uma aliança tático-militar entre as forças norte-americanas e os curdos, visto que os EUA possuem seus próprios interesses geopólíticos norte-americanos na região de conter o Estado Islâmico e disputar influência contra o governo local. Segundo,ainda, o vice-presidente de relações diplomáticas do PYD de Rojava,Salih Muslim: “Nós não convidamos os americanos, e não lhes dissemos para sair. Eles não estavam aqui para nos proteger em todo caso. Nossos interesses coincidiram, nós agimos juntos, mas nunca confiamos neles”.

Apesar de, agora, o Estado Islâmico ter sido praticamente derrotado militarmente, isto não inibe a influência política que o grupo fundamentalista ainda possui na região. Seu controle territorial constitui 1% do país, mas o Estado Islâmico ainda é uma organização política fundamentalista com capacidade de atrair simpatizantes e fazer
algumas ações de grande alcance para desestabilizar os seus inimigos. Mesmo assim, Trump está afirmando que a missão contra o Estado Islâmico terminou. Por que? Desde as grandes manifestações que tomaram o país em 2011 até os dias de hoje, a conjuntura síria vem se desenvolvendo por linhas extremamente tortas e imprevisíveis. A brutal repressão do governo de Bashar Al-Assad, ininterrupta desde 2011; as colossais contradições entre as
diversas facções para-estatais, como os grupos rebeldes laicos e democráticos, os inúmeros grupos fundamentalistas islâmicos e as forças lideradas pelos curdos; e a intervenção de forças estrangeiras, em prol de todos os lados possíveis, como os EUA, Rússia, França, Inglaterra, Turquia, Irã, Israel, dentre outros; são apenas alguns dos fatores a
serem levados em conta para compreender o que está acontecendo na Síria. Ademais, a militarização cada vez maior do conflito, a partir de 2012, acabou favorecendo os setores fundamentalistas, e dando cada vez menos espaço aos movimentos democráticos e laicos. Esses últimos, organizados principalmente no Exército Livre da Síria, acabaram se vendendo para vários países da região em troca de manter a capacidade militar. O ato final dessa tragédia foi quando a Turquia assumiu o controle da maior parte do Exército Livre da Síria em 2016, na operação Escudo do Eufrates.

A Turquia, como não seria diferente, usou o seu poderio militar para atacar a região autônoma curda. Desde de o Império Turco-Otomano que o povo curdo vem resistindo às tiranias racistas e fundamentalistas religiosas exercidas pelos governantes turcos na região, e isto se segue desde muito antes de os EUA ou qualquer outra potência ocidental se tornar um agente militar ativo na região. Com os anos se passando, conforme o poderio militar dos governos sírio, iraquiano, iraniano e, sobretudo, turco veio crescendo, a repressão contra a população curda só piorou.

É por isso que a Turquia invadiu o cantão de Afrîn, e só está esperando a retirada das tropas americanas para invadir o restante da região curda. Trata-se de uma tentativa desesperada do governo de Recep Tayyip Erdogan de suprimir os curdos não apenas dentro das fronteiras turcas, como já vem sendo feito a mais de um século; mas também nos países
vizinhos. Desde que Afrin está ocupada pela Turquia e os seus mercenários fundamentalistas, inúmeras atrocidades e violações dos direitos humanos vem ocorrendo. Escolas e outras instalações de serviço público foram transformadas em bases militares , sequestros (cerca de 200 mulheres e meninas desde o início da ocupação), assassinatos,
prisões e torturas de civis ocorrendo sistematicamente; além de redes de tráfico humano que vêm sendo estabelecidas na região pelos militares turcos e seus mercenários. Tudo isto sem mencionar as bizarras intenções dos novos ocupantes militares de remodulamento demográfico de Afrin;buscando, por meio de migrações de famílias de outras regiões da Síria sob seu controle (Idlib e Goutha), eliminar a maioria étnica curda da região fronteiriça à Turquia, tornando-a de maioria árabe . Além de tudo isso, dentro das fronteiras turcas, centenas de advogados e outros
membros da sociedade civil da Turquia tem sido duramente perseguidos e presos, acusados de “propaganda terrorista”, por se posicionarem publicamente contra contra a violação de direitos humanos relacionadas à
invasão em Afrin .

Mas qual será o interesse dos EUA de que isso ocorra com os seus principais aliados na região nos últimos anos de luta contra o Estado Islâmico? Seria uma ingenuidade ter acreditado nesses anos que os norte-americanos apoiaram os curdos por benevolência ou por qualquer afinidade ideológica entre ambos, discrepantemente opostos nesse
sentido. A razão da presença norte-americana no norte da Síria tem sido exclusivamente de defesa de seus próprios interesses, estes que, agora, não estão tão favoráveis à autonomia curda na região.

Não é de agora que a atividade da Federação Democrática do Norte da Síria preocupa o mundo Ocidental. Toda fetichização da grande mídia Ocidental quanto às mulheres indo lutar com fuzis em mãos contra o Estado Islâmico durante as retomadas de Kobane e Raqqa tornou-se um frio silêncio frente ao massacre ocorrido com a invasão em Afrin, que 9 meses atrás, com a sua conclusão, já havia deixado um saldo de 200 mil refugiados apenas da região. Absolutamente nada foi feito pelos EUA ou por qualquer potência ocidental quanto à invasão de um membro da OTAN ao Curdistão Sírio, nem diplomaticamente e muito menos militarmente. Quando a Comissão de Direitos Humanos da ONU se viu obrigada a fazer uma declaração quanto à situação de Afrin, foi covardemente omitida a ativa participação da Turquia no caso, limitando o laudo, ridiculamente, a fazer uma recomendaçòa à Turquia que “assegurasse que os grupos armados sob sua influência em Afrin e no restante da Síria aderisse estritamente
às suas obrigações sob a lei humanitária internacional” . Como sempre, o mundo ocidental fecha seus olhos frente ao genocídio do povo curdo cometido pelo governo turco, mas em proporções como nunca visto antes na história desde o Genocídio Armênio. Os curdos, durante esses anos, tentaram manobrar politicamente ao máximo possível entre os EUA, o governo de Assad, a Rússia e as demais potências envolvidas, mas essa política chegou ao limite final. Ou o
mundo mobiliza-se para pressionar em todas as instâncias possíveis —jurídicas, jornalísticas, políticas, sociais — que a Turquia parta da Síria e deixe o povo curdo em paz, ou a Revolução de Rojava Não terá
continuidade.

Os curdos conseguiram criar um oásis de liberdade no meio da guerra civil: pluralismo na democracia de base étnica e religiosa, separação entre Estado e religião, autodefesa que ficou conhecida como a maior força terrestre de combate ao Estado Islâmico, emancipação das mulheres como princípio essencial da revolução, restabelecimento da relação com a natureza por meio do desenvolvimento da ecologia social e ética e estética correlacionadas. Apesar da impressão de que há pouco a se fazer pragmaticamente a oceanos e continentes de distância, reforçamos nossa
solidariedade ao povo curdo em resistência e luta por liberdade revolucionária. Convocamos a todos os companheiros para exercer toda a pressão que estiver ao nosso alcance para prestar solidariedade políticae material ao povo curdo em um momento crucial de sua revolução.

#DefendaRojava #RojavaNãoEstáSozinha
#SolidariedadeInternacionalistaBrasil

Comitê de Solidariedade Internacionalista do Brasil

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Written by Comite de Solidariedade Internacionalista do Brasil

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