Por Counterpunch
Originalmente pubhttp://elcoyote.org/maximizando-a-democracia-e-justica-economica-em-um-economia-do-mundo-real/licado emExistem diferentes pontos de vista no que diz respeito ao significado dos termos “economia democrática” e “justiça econômica”, quais os aspectos desses conceitos deveriam ser enfatizados, e como eles podem (e devem) ser alcançados na economia do mundo real.
De acordo com uma definição ampla, economia democrática se trata da “…habilidade dos cidadãos de influenciar os desenvolvimentos econômicos em geral, ou as decisões econômicas de seus locais de trabalho”.
Alguns acreditam que isso pode e deve ser alcançado dentro das instituições e estruturas de trabalho do capitalismo, ou seja, propriedades privadas e mercados, tornando empregados e algumas vezes cidadãos em geral, em acionistas de corporações, por exemplo, via Employee Stock Ownership Plans (planos de aquisição de ações para empregados) e outras ferramentas similares.
O termo “capitalismo inclusivo” algumas vezes é utilizada nesse contexto. Essa versão de democracia econômica pode frequentemente ser abraçada também por políticos a direita do espectro político.
Outras pessoas querem ir além e advogam diferentes formas de socialismo de mercado, onde o capital e os recursos produtivos são possuídos e planejados coletivamente entre as companhias ou por corpos públicos, mas onde os bens e serviços ainda são taxados e alocados através dos mercados. Nesse caso, as companhias normalmente são controladas pelos trabalhadores, mesmo podendo uma outra comunidade de partes interessadas ser representada na diretoria da empresa.
Outros ainda, especialmente apoiadores de um modelo econômico chamado economia participativa, acreditam que uma economia democrática não pode ser conciliada nem com a propriedade privada dos recursos produtivos nem com mercados. Eles acreditam que uma economia democrática deve ser definida como uma situação onde a influência de uma pessoa ou um grupo sobre uma decisão reflete o grau ao qual a pessoa ou o grupo é afetado pelo resultado da decisão. Isso também é comumente conhecido como autogestão. Para alcançar essa versão da economia democrática, os protagonistas em uma economia participativa são os trabalhadores e consumidores em seus conselhos autogestionados. O mercado é substituído por um procedimento de planejamento descentralizado e democrático, no qual, ambos consumidores e produtores, através de seus conselhos e federações, participam da criação de planos de produção e consumo via um número de rodadas de propostas. As informações são geradas de forma a refletir mais precisamente os impactos das escolhas em outros atores na sociedade, ao invés de somente o impacto direto em consumidores e vendedores individuais, como é o caso nas economias de mercado.
Tomadas de decisão democráticas.
Em um ambiente de trabalho autogestionado em uma economia participativa, todos os trabalhadores pertencem a um conselho de trabalhadores, no qual, cada membro tem um voto. O conselho de trabalhadores é o maior corpo de tomada de decisões do ambiente de trabalho, e é o equivalente a uma Reunião Geral de uma limited liability company (versão estadunidense da assembléia de acionistas de uma empresa privada tipo sociedade limitada, N. do T.), onde todos os acionistas estão representados. O conselho dos trabalhadores pode formar federações em diferentes níveis industriais, para lidar com problemas afetando múltiplos locais de trabalho e problemas mais abrangentes afetando a indústria; ele também pode delegar tomadas de decisões para baixo, para times menores de trabalhadores dentro de seus locais de trabalho, e implementar várias regras gerais para diferentes tipos de decisão, no intuito de promover a autogestão.
No entanto, a influência democrática formal em um local de trabalho, onde cada membro tem um voto, não necessariamente quer dizer que todos os membros têm os mesmos pré-requisitos de participação nos processos de tomada de decisão do conselho dos trabalhadores. Trabalhadores, cujas tarefas diárias envolvem principalmente planejamento, análise, negociações, etc, necessariamente desenvolvem maiores habilidades, conhecimentos e maior autoconfiança para se apresentar em público, avaliar e argumentar pró ou contra, propostas nas reuniões, em comparação com os membros cujas tarefas diárias consistem, principalmente, na performance monótona e servil que outros projetaram e supervisionaram. Portanto, em uma economia participativa, espera-se que nos locais de trabalho, na medida do possível, se aglutinem as forças de trabalho necessárias nos chamados trabalhos balanceados, que, em suma, contêm um conjunto similar de tanto tarefas empoderadoras quanto tarefas menores e tediosas. Na medida em que cada trabalho for balanceado dessa maneira, os membros recebem oportunidades razoavelmente similares para participar nas tomadas de decisões do local de trabalho.
Justiça econômica.
Justiça econômica tem a ver com distribuição de renda, isso é, como o acesso aos produtos produzidos e serviços, devem ser divididos entre os cidadãos. Hoje, muitos, inclusive na esquerda, aceitam ou mesmo visam uma distribuição de renda, que em teoria é baseada na contribuição do indivíduo para a produção, com algum consumo complementar de primeiras necessidades. O quão mais produtivo for o trabalho ou o capital do indivíduo, maior a renda que o indivíduo tem direito, de acordo com esse princípio, apesar de alguns de esquerda questionarem se a propriedade de capital deveria ser aceitável como pressuposto para retorno de renda. Espera-se que salários que são derivados e determinados em mercados de trabalho, ao menos em teoria, estejam em concordância com esse “princípio de produtividade”. Na realidade, no entanto, a distribuição de renda depende primariamente do poder de barganha dos trabalhadores e não somente de sua produtividade, mesmo que a última certamente possa afetar o poder de barganha.
Defensores do modelo de economia participativa, por outro lado, acreditam que a renda, para ser justa, deveria ser baseada somente em fatores que alguém possa controlar: em essência, esforço e sacrifício na forma de longas horas trabalhadas, maior intensidade de trabalho ou tarefas mais perigosas dentre as socialmente úteis. Do conselho dos trabalhadores em uma economia participativa, se espera que se criem e estabeleçam procedimentos para avaliar os esforços e sacrifícios dos membros no trabalho. Essas análises, então, formam a base para a distribuição de renda dos membros entre eles mesmos.
Problemas práticos com o balanceamento de trabalhos e avaliações de esforço.
Algumas vezes as grandes ambições da economia participativa no que diz respeito a economia democrática e justiça econômica têm sido recebidas com ceticismo. Com frequência, as objeções não têm sido sobre a lógica, mas sim sobre a viabilidade, por exemplo, a possibilidade de implementação de trabalhos balanceados e avaliações de esforço, de uma maneira razoável e eficiente em uma economia do mundo real. Só a título de exemplo, no livro, Alternatives to Capitalism. Proposals for a Democratic Economy (Alternativas ao capitalismo. Propostas para uma economia democrática), Erik Olin Wright, enquanto concordando em princípio com os ideais de trabalhos balanceados e remuneração baseada no esforço e sacrifício, expressa preocupação no que diz respeito a “implementação prática de ideais”.
Robin Hahnel, um dos co-criadores do modelo de economia participativa, responde a essa preocupação no mesmo livro. Ele resume os problemas em potencial: “Do meu ponto de vista, existem dois problemas práticos: (1) haverão pessoas em uma economia participativa que não concordam com os princípios. O que se deve fazer quando trabalhadores em um empreendimento querem remunerar a contribuição ao invés do esforço? E o que se deve fazer quando trabalhadores em um empreendimento não querem balancear os trabalhos? (2). Mesmo se todos concordassem com balancear os trabalhos e recompensar os esforços, algumas vezes isso será difícil de se conseguir, porque esforço, empoderamento, e/ou desejabilidade podem ser difíceis de se medir”.
Ele então começa a esclarecer a luta da economia participativa: “No que diz respeito ao primeiro problema, os apoiadores da Economia Participativa recomendam que os conselhos dos trabalhadores tentem balancear os trabalhos e recompensar os esforços da melhor maneira que conseguirem, levando em conta obstáculos práticos (…) nós iríamos nos opor a quaisquer propostas autorizando alguém de fora do local de trabalho a impor essas regras em um local de trabalho onde a maioria dos membros não deseja implementá-las (…) enquanto cada trabalhador em um conselho de trabalhadores tiver um voto, eu acredito que cada conselho de trabalhadores deveria poder decidir como organizar o trabalho e recompensar uns aos outros da maneira que acharem apropriado”.
Antes de tudo, observe que, em uma economia participativa do mundo real, são os conselhos dos trabalhadores, nos quais cada membro têm um voto que por fim será responsável por 1) delegar a tomada de decisões e decidir as diferentes regras gerais, 2) criar procedimentos para balancear os trabalhos e 3) criar diferentes procedimentos para medir esforços. Diferentes conselhos de trabalhadores vão abordar essas tarefas de diferentes maneiras e com diferentes níveis de ambição, o que não tem nenhum problema, mas o que acontece se a maioria dos membros de um conselho de trabalhadores quiser recompensar a produtividade ao invés do esforço ou não quiser balancear os trabalhos?
Hahnel argumenta que a implementação de procedimentos de balanceamento de trabalhos e avaliação de esforços requererá duas atividades necessárias. Primeiro, os trabalhadores que apoiam essas instituições devem, em seus locais de trabalho, conversar com seus colegas, convencendo-os dos benefícios para todos dos trabalhos balanceados e compensação baseada em esforço e sacrifício, em comparação com as divisões de trabalho hierárquicas e renda baseada em produtividade e poder de barganha. Segundo, os grupos políticos de uma sociedade como um todo que apoiam a economia democrática e justiça econômica, devem, continuamente, buscar campanhas duras e determinadas para esses assuntos. Essas campanhas devem formar um plano de fundo constante para os esforços e discussões nos locais de trabalho. Além desses esforços, quaisquer tentativas de introduzir trabalhos balanceados e procedimentos de avaliação de esforços em locais de trabalho, com uma maioria de trabalhadores se opondo, será contraprodutiva.
Quanto ao segundo problema prático, é óbvio que algumas vezes, em algumas circunstâncias e em graus variáveis, será difícil medir e avaliar esforços e sacrifícios dos colegas, além do empoderamento e desejabilidade das tarefas do trabalho, mesmo que essas dificuldades sejam exageradas com frequência. Entretanto, enquanto se aceitar que estimativas dessa espécie sempre serão aproximações e não expressões de verdades absolutas, esses assuntos não representam nenhum problema ou ameaça para a validade do modelo. Sempre é possível fazer e aperfeiçoar estimativas, no entanto, a perfeição pode ser impossível de atingir.
Planejamento participativo
Como mencionado, a alocação dos recursos comuns da sociedade, em uma economia participativa, se dá através de um procedimento democrático de planejamento. A autogestão dos conselhos dos trabalhadores, evidentemente não inclui a liberdade de se esquivar dos procedimentos de planejamento participativo e continuar produzindo para um mercado com o único objetivo de maximizar os lucros. O procedimento de planejamento é intrínseco a economia participativa e se os locais de trabalho quiserem continuar produzindo, eles não têm escolha a não ser participar, visto que não há outra maneira de se conseguir acesso aos recursos de produção, a não ser através do procedimento de planejamento.
O modelo de planejamento participativo tem sido criticado principalmente pelo requerimento que ele impõe aos consumidores, de planejar e anunciar suas preferências de consumo para o próximo ano, o que muitos consideram irreal. Sem dúvida consumidores e produtores têm diferentes necessidades e requerimentos para o quão detalhado o planejamento deve ser. Consumidores querem levar em consideração a menor quantidade possível de produtos e serviços de categoria inferior quando planejam seu consumo, enquanto os produtores precisam de uma categorização mais detalhada para planejar sua produção. Ademais, deve ser possível que os consumidores possam preparar suas propostas de consumo de maneira que não fique muito detalhado, incômodo e consuma muito tempo, e o processo de planejamento também deve poder lidar com com o consumo de consumidores que se recusam a preparar e entregar seus planos de consumo.
Os requerimentos e demandas de um mecanismo de alocação para substituir o mercado serão extensos, mas de maneira nenhuma intransponíveis. Hoje já existem sugestões detalhadas para um grande número de ferramentas e exercícios que gerenciam e fornecem soluções para os problemas identificados acima e muitos outros, por exemplo, no livro supramencionado, Alternatives to capitalism (alternativas ao capitalismo) e no livro Anarchist accounting – Accounting principles for a participatory economy (Contabilidade Anarquista – princípios de contabilidade para uma economia participativa). Uma apresentação detalhada do modelo completo de economia participativa, incluindo uma sessão de perguntas mais frequentes que adereça diferentes questionamentos pode ser encontrada no www.participatoryeconomics.info
Se nossos desejos para uma verdadeira economia democrática e justiça econômica forem sinceros, nós deveríamos sempre estar dispostos a discutir potenciais problemas e suas soluções, de maneira aberta e não dogmática, quando consideramos possível implementar as instituições necessárias no cenário do mundo real. Nosso objetivo deve ser a melhor aproximação possível de nossos ideais, enquanto reconhecemos que a implementação de ideais e instituições em uma economia de mundo real, nunca se dará exatamente da mesma maneira que a apresentação dos mesmo ideais e instituições nos modelos econômicos teóricos. Nós acreditamos que essa discussão é essencial para a credibilidade dos nossos objetivos: a implementação de uma verdadeira economia democrática e justiça econômica, além de uma economia baseada em cooperação e solidariedade, ao invés do capitalismo de hoje, que é baseado em competição e ganância.