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A Ecologia Social das Ruínas

Publicado originalmente no site do TRISE, por Theo Rouhette.

A proliferação de ruínas de fábricas, instalações militares, vilarejos rurais ou infraestruturas de transporte é geralmente atribuída a força de destruição criativa sob o capitalismo, um processo interno que incessantemente revoluciona a estrutura econômica por dentro, incessantemente destruindo a anterior, incessantemente criando uma nova (Schumpeter, 1942). Pensadores marxistas focaram na relevância da destruição criativa na geografia urbana crítica e no estudo da urbanização (Harvey, 2008). A urbanização dá um exemplo de como o capitalismo oferece tanto os meios de produção de uma arquitetura urbana e organização social adequadas a seus propósitos, assim como condições para seu subsequente abandono e obsolescência programada através da desintegração social e do êxodo urbano. Onde essa ‘arqueologia acelerada’ captura características essenciais do capitalismo, as ruínas capturam a decadência urbana e a obsolescência programada como símbolos materiais inerentes ao desenvolvimento capitalista (Stallbrass, 1996).

Cidades como Detroit ou Glasgow, com histórias marcadas por ciclos rápidos de industrialização e abandono, de desenvolvimento e depopulação, são locais privilegiados para a a investigação das ruínas. A semântica usada para descrever esses lugares na literatura e na mídia perpetuam esse simbolismo. Detroit se tornando ‘a cidade monstruosa’ assombrada por fantasmas e zumbis (Draus & Roddy 2016). O corolário cultural dessa lente sobre as ruínas é a ênfase em representações distópicas no cinema, literatura, música e artes. Para a imagem do portfólio fotográfico de Camilo José Vergara, esse ‘lado sombrio’ se torna seu aspecto dominante no imaginário popular, o que resulta na sua associação com a pobreza, violência e abandono, chegando até narrativas pós-apocalípticas e pós-humanas do futuro na ficção científica (Dobraszczyk, 2017).

Entretanto, Henri Lefebvre nos lembra em seus escritos sobre o direito a cidade que ‘o mais importante é termos múltiplas leituras sobre a cidade’ (Lefebvre, 1996). Se devemos considerar as ruínas das nossas paisagens urbanas, poderia outra narrativa de seu surgimento e de suas funções sociais serem propostas? E o que essa nova história nos informa sobre o potencial pós-vida de espaços em ruínas?

Este ensaio explora como a ecologia social, uma teoria social crítica desenvolvida pelo teórico político e ativista radical Murray Bookchin, pode oferecer uma leitura alternativa das ruínas. A ecologia social considera a devastação ecológica em curso como consequência de problemas sociais, e propõe um modelo para futuras sociedades baseado em apoio mútuo, diversidade e liberdade. Traçando as origens da crise multidimensional de volta aos modos de organização estruturados ao redor da hierarquia e dominação, do patriarcado e luta de classes até o especismo; advoga por uma transformação radical da sociedade ao redor de uma linha humanista, ecológica e democráticas (Biehl, 2015).

Esse breve resumo da ecologia social das ruínas irá focar em três aspectos do rico corpo teórico da literatura desta teoria. Primeiro, a ecologia social é baseada em uma crítica do capitalismo e urbanização que influência como classificamos a produção e o significado dos espaços em ruínas. Segundo, seu humanismo ecológico, trabalhando em direção a uma reconciliação entre natureza e sociedade, propõe significados e papéis alternativos para as ruínas como materialidades urbanas. Por último, nós vamos explorar como o pós-vida das ruínas pode se tornar o repositório material desse projeto político, comunalismo, permitindo que práticas emancipatórias surjam da casca vazia do passado.

Ruínas como erosão da cidadania

Primeiro, como a crítica da ecologia social sobre a urbanização pode gerar uma definição e leitura alternativa do surgimento da ruínas nas paisagens urbanas ? Em Urbanization without Cities, Murray Bookchin argumenta que as tendências de rápida urbanização não deveriam ser entendidas como mero crescimento das cidades, ou uma mudança em intensidade, mas sim como uma transformação do tipo de esfera urbana. Urbanização é diametralmente oposta a municipalização, o processo de construir ‘comunidades do coração’ onde, através do empoderamento coletivo e associações morais, habitantes da cidade se tornam ativos e engajados na vida pública e desenvolvem um senso de cidadania baseado em preocupações ideológicas compartilhadas (Bookchin, 1992). A metamorfose histórica das cidades de escala humana para os municípios industriais e finalmente as megalópolis financeiras, para usar a terminologia de Mumford, tem precisamente destruído as bases materiais para uma vida cívica rica e dinâmica, com efeitos psicológicos e políticos devastadores em indivíduos que se tornam meros pagadores de impostos e consumidores, mais que cidadãos ativos.

As consequências do processo para uma definição geral das funções das ruínas são importantes. Ruínas são definidas e imaginadas como construções ou infraestruturas que foram criadas, usadas e subsequentemente abandonadas ou negligenciadas, deixadas para as intempéries e degradação; se transformando no que Edensor (2001) chama de um locus horribulus; para Walter Benjamin (Stead 2003) se torna uma autêntica alegoria da destruição. Ainda assim, de uma perspectiva ecológico social, pode-se argumentar que elas não se tornam ruínas depois que caem em desuso, mas são erguidas como ruínas tão logo são planejadas, quando não se têm intenção de contribuir significativamente para a vida cívica dos cidadãos, e em seu lugar,geram construções que isolam seus arredores, uma visão compartilhada Peter Calthorpe em sua palestra sobre sobre a construção de cidades melhores (Calthorpe, 2017).

 

Foto 1: Construção não finalizada em Sandyford, próximo de Dublin, por Crispin Rodwell/Bloomberg

De fato, se o propósito da materialidade urbana é apoiar uma vida pública ativa, e a urbanização se encontra em oposição absoluta a esse propósito original, então só se pode deduzir que as construções erguidas pelas forças do lucro, do capital e do dinheiro são, mesmo antes de suas construções, inúteis e esvaziadas de seu propósito histórico, em um estado metafórico de ruína. O status de ‘ruínas reversas’ é expandido para além de arquitetura não finalizada (DeSilvey & Edensor, 2012).

Portanto, a urbanização na ecologia social se assemelha mais com o processo de arruinação em si, do que o mero desenvolvimento do urbano sobre o rural, como “espaço municipal com sua proporcionalidade humana, vizinhanças distintas, e políticas de escala humana […] está sendo absorvida pela urbanização, com seus asfixiantes traços de anonimidade, homogenização, e gigantismo institucional” (Bookchin, 1992). O mecanismo de planejamento urbano, descrito por James C. Scott em sua análise de cidades altamente modernistas, demonstra como grandes cidades, hierárquicas e centralizadas são erguidas através de demolição sistemática, padronização, racionalização e taylorização, como observado nos escritos e feitos arquitetônicos de Le Corbusier (Scott, 1998). Essa completa mecanização deixa a cidade esvaziada de vida e engajamento cívico, em uma névoa de símbolos arquitetônicos das forças estatais de planejamento e da expansão do mercado.

O potencial secreto das ruínas

Reconciliação da natureza e sociedade através de ecologias intersticiais.

Porém, não estamos correndo o risco de limitar nossa compreensão sobre ruínas quando as interpretamos por essa crítica socioeconômica do capitalismo e da urbanização? A perspectiva filosófica da ecologia social, seguindo uma rica tradição dialética de Aristóteles a Hegel e Marx, é uma perspectiva humanista e ecológica que pode inverter a recorrente leitura de ruínas como espaços sombrios, violentos e ameaçadores. Desenvolvido em The Philosophy of Social Ecology, essa filosofia eco-humanista desafia a divisão histórica entre natureza e sociedade, tanto em sua forma Hobbesiana quanto Rousseana, para conceituar a sociedade, ou ‘segunda natureza’, como uma construção orgânica do ambiente, ou ‘primeira natureza’ (Bookchin, 1994). Esse abordagem de desenvolvimento foca na coevolução, adaptação e interdependência enxergando a natureza como base para a ética.

Aplicado a materialidade das ruínas, elas deixam de ser meros rastros da mega-máquina capitalista para se tornarem as precursoras de uma reconciliação entre natureza e sociedade. De fato, ruínas são locais com suas próprias ‘ecologia intersticiais’ onde uma ampla gama de organismos, desde árvores a bactérias, musgos, gramas, pássaros e decompositores, revegetam e recolonizam um espaço uma vez apropriado por humanos. Esses locais se tornam as geografias onde novas formas de competição, mutualismo, e simbioses emergem no espaço liminar entre o reinos antropogênico e biótico, desafiando dicotomias construídas: ‘tais espaços talvez sejam melhor compreendidos como ‘co-fabricações ecológicas’, onde uma ‘política de convivência’ acomoda tanto agência humana quanto não-humana’ (Desilvey & Edensor 2012).

Foto 2: um parque na Áustria, tomado pela vegetação, por Stefan Baumann.

Nesse sentido, ermos urbanos e fábricas abandonas se transformam no que ecologistas chamam de ‘novas ecologias’, e o que ecologistas sociais chamariam, ‘novas eco-comunidades’. Ruínas portanto são vistas como espaço liminares para tal rearmonização defendida por ecologistas sociais, ecoando chamados similares de pensadores radicais, tais como a ‘sensibilidade ecológica’ de Herbert Marcuse e a ‘renovação da vida’ de Lewis Mumford (Marcuse, 1969; Morris, 2017). Pensar nas ruínas como espaços vivos com geografias mais-que-humanas abre novas formas de conceber a pós-vida das ruínas e seus componentes ecológicos, sejam elas plantas, decompositores, ou habitantes urbanos.

Novas sensibilidades em espaços em ruínas

Apesar desse potencial,o imaginário atual das ruínas é enraizado na decadência e degradação, tornando evidente os efeitos do capitalismo, mas também distanciando a si mesmos das pessoas vivendo e experienciando o espaço. O imaginário das ruínas focado em infraestruturas e arquiteturas abandonadas, e menos nas pessoas, pode gerar desmoralização, constrangimento, e desempoderamento (Apel, 2015). Entretanto, o pensamento dialético da ecologia social no encoraja a imaginar não simplesmente oque é mas também oque pode vira ser em uma sociedade democrática e ecológica. Que universo de possibilidades nós podemos imaginar para as ruínas ?

Conforme a vegetação e animais criam novas formas de vida onde elas antes foram eliminadas, as ruínas oferecem um espaço de ruptura com o convencional, com esperado, e onde as ideias normativas encorporadas no design da cidade de fato se rompem. Essa ausência de cenários formais ou de regras codificadas nas ruínas é a oportunidade para experienciar o que está além da realidade da vida urbana, tanto material quanto afetivamente. Isso permite que espaços arruinados acomodem e impulsionem narrativas alternativas sobre o concreto, as memórias, e sobre o marginal no tecido urbano, para além das visões de políticos profissionais e planejadores das cidades.

Foto 3: HAUS, banco abandonado em Berlin que o coletivo Die Dixons e 165 artistas ocuparam para criar uma experiência viva através das artes de uma variedade de estilos e disciplinas (créditos da foto: kersavond em urbanpresents.net)

Tomando vantagem da liminaridade das ruínas, coletivos de artistas e ativistas desenvolveram uma visão do que a sociedade poderia ser, com oque poderia se parecer, como poderia ser vivida e experienciada.

Ruínas vistas como locais de arte transgressiva e comunal criam oportunidades para a descentralizar, democratizar e envolver comunidades (Krause, 2011). A politização das artes em ruínas costumam ocorrer através do que Anja Kannigiester se refere como encontro performativo, ou uma articulação criativa e coletiva ‘dedicada a ativar novas relações entre pessoas, e é afirmativa de formas autônomas e convivenciais de ser e viver’ (Kanngieser 2012). Encontros performativos refletem como a experimentação, essa expansão de novidade e criatividade, moldam e são moldadas pela alteridade das ruínas. Ao expandir seu campo de possibilidades, encontros ao redor da materialidade marginal podem criar redes e colaborações onde imaginários alternativos e sensibilidades podem nascer e florescer.

Práticas comunais nas ruínas

Consciente das potencialidades latentes desses espaços em ruínas, nós agora vamos interrogar as formas em que suas pós-vidas podem ser utilizadas e moldadas pelas práticas comunais defendidas pelos ecologistas sociais. Comunalismo é a uma solução viva para a crise multidimensional que busca desafiar o estado e o mercado advogando por democracia direta no nível municipal. Inspirada pela rica tradição do socialismo libertário e eco-anarquismo, ela guarda um interesse especial pelo que Bookchin chamou em The Ecology of Freedom, as ‘formas da liberdade’, as instâncias onde sociedades humanas tem emancipado a si mesmas de sistemas de controle através do apoio mútuo e reciprocidade (Bookchin, 2005). Enquanto instituições comunais e práticas são diversas, explorá-las nos oferece inspiração sobre a possibilidade de usarmos o pós-vida de espaços em ruínas para promover mudança social. Inspirados por um pensamento orgânico da materialidade e uma visão de potencialidade da fábrica urbana, as supostas ruínas deixam de ser um desperdício e se tornam um recurso a ser usado e vivido de formas criativas desde a resistência política até a construção de comunidades e regeneração urbana.

Resistência e o direito a moradia

Primeiro, prédios desocupados, construções abandonadas e apartamentos vazios tem notoriamente sido ocupados e usados como ato de resistência política a crise de moradias causada pela comoduificação especulativa. Os movimentos de okupas ao redor do mundo atestam o potencial de prédios vazios de se recuperarem do status de ruína e adotarem um novo papel como casas, abrigos e acampamentos. Falando sobre o movimento de ocupações de Berlim dos anos 1960, Alex Vasudevan explora como essas estratégias de oposição efetivamente tentaram formar uma “esfera pública alternativa e renovado direito a vida urbana”, nas palavras de Rene Lefebvre (Vasudevan, 2017). Os modos característicos da auto-organização, ou autogestão, desafia as hierarquias e discriminações no setor imobiliário através da criação de espaços autônomos de radicalidade onde normas convencionais são interrompidas e novas podem ser criadas ao redor da propriedade coletiva e comum.

Foto 4: K77 após a queda do muro de Berlim que deu início a uma onda de okupações na Berlim Oriental.

Esse habitus alternativo tornou possível através da ocupação de prédios vazios ou abandonados produzindo um campo comum onde uma vida cooperativa, compromissos políticos e relações emocionai todas se interseccionam. A reapropriação transgressiva das ruínas constitui base para práticas comunais através da solidariedade e autodeterminação coletiva.

Kastanienalle 77, ou K77, na Berlim Oriental é um exemplo de como essa transição progressiva de okupa para projeto de moradia comunal evolui, e como ‘experimentação arquitetônica se dá na performance de práticas alternativas’ (Vasudevan, 2017). A queda do Muro de Berlim deu início a uma onda de ocupações na Berlim Oriental, de onde a K77 surge, um complexo de três casas abandonadas e três páteos internos que abrigaram mais de 100 pessoas desde sua criação. Nas palavras do artista alemão Joseph Beuys, K77 é fruto do esforço de se construir uma ‘escultura social’ em um espaço comum para ‘vida, trabalho e cultura comunal, autodefinida e não predatória’. K77 se desenvolveu e evoluiu como um ‘laboratório arquitetural para participação do usuário e auto-organização’ abrigando um cinema sem fins lucrativos, uma oficina de cerâmica, espaço de estúdio e clínica homeopática. (Vasudevan 2017)

Construindo e fortalecendo comunidades

O que começa dentro das ruínas pode vir a florescer quando é visto pela comunidade local como um recuso a ser compartilhado. Então, o espaço e terra decadente podem ser reapropriados, reutilizados, e recarregado com atividades sociais e ecológicas que podem fortalecer a apoiar fortes laços comunitários em uma vizinhança vulnerável ou bairro afetado pelo abandono. Através do processo de educação e apoio mútuo, atividades coletivas e projetos nas ruínas contribuem para o fortalecimento de comunidades locais tanto material quanto socialmente.

Os tipos de encontros transgressivos no que pode ser qualificados com espaços vazios, onde o vácuo é entendido “como um locus para a reconstrução de subjetividades, onde a suspensão de determinações pregressas exige pela prática de escolha”, são todos testemunhos do potencial emancipatório das ruínas (Sebregondi, 2017). Oposto a ‘cidadania neoliberal’, onde indivíduos são reduzidos a meros constituintes e consumidores, o comunalismo nos espaços marginais e de ruínas podem oferecer oportunidades para forjar um novo senso de cidadania através da participação (Brown, 2017). A criação de ‘espaços alternativos de aprendizado’ ecoam a importância de paideia na ecologia social, ou a educação coletiva dos membros da cidade (Haworth & Elmore, 2017). A cultura do Faça-Você-Mesmo florescendo em uma ampla variedade de cidades, assim como hortas comunitárias em Glasgow, demonstram como ruínas podem ser agentes ativos do fortalecimento de comunidades e do reavivamento social (Crossman, 2016).

Um pequeno desvio dos centros urbanos em direção ao interior pode nos ajudar a compreender esse processo, onde o êxodo rural mais do que o êxodo urbano é o motor responsável por esse processo de abandono. A juventude marginalizada dos estados chacoalhados por crises efetivamente recolonizaram vilarejos abandonados nas montanhas para desenvolver comunidades com um estilo de vida materialmente autossuficientes e politicamente horizontais. As ecovilas ou ecocomunas, de Lakabe ou Matavenero na Espanha e Torri Superiore nos alpes italianos são todos exemplos de como ruínas foram uma vez mais preenchidas com vida e criatividade.

Foto 5: Vista panorâmica de Torri Superiore, nos alpes italianos, um vilarejo previamente abandonado, restaurado em 1989 por uma associação local, que agora opera como centro cultural (por Ecovillaggio Torri Superiore)

Espaço e regeneração urbana

Nos aprofundando nesta espiral,nós começamos a ver como as ruínas sob as lentes comunalistas podem participar da reorganização das políticas espaciais das cidades e paradoxalmente se tornar o material base para a regeneração urbana. A natureza transgressiva das ruínas podem participar na formulação de uma nova cultura onde o espaço público aberto se torna o espaço de autodeterminação e onde “uma política de possibilidades” pode evoluir (Springer, 2013).

Através da emergência de contra e sub culturas, os decompositores, ou catadores, das ruínas, transformam esses espaços em laboratórios e playgrounds onde a vida pós-capitalista e pós-industrial pode ser inventada e crescer. Um experimentalismo prático reaviva as ruínas, dando a luz a cooperativas de alimentos, laboratórios eletrônicos abertos, performances artísticas e coisas do tipo. Através de práticas comunalistas e apropriação, ruínas são remodeladas em agradáveis ambientes sociais de convivência, semelhante a como as vizinhanças de Nova York eram idealizadas por Janes Jacobs.

De particular relevância no contexto de crise de refugiados, a vizinhança de Exarchia, no centro de Atenas, é exemplo desse potencial de construção de ambientes. Esse espaço de resistência historicamente anarquista tem usado inúmeros prédios vazios e abandonados da vizinhança para construir uma cultura de solidariedade onde mais de 3000 refugiados estão abrigados agora. O decrépito City Plaza Hotel é bem conhecido por ser ocupado por refugiados e foi reconectado as redes de água e eletricidade, tem uma cozinha, aulas de idiomas e uma clínica médica. Além dessa okupa, há toda uma vizinhança de espírito político e comunal (Baboulias, 2014). Um terreno vazio que seria transformado em estacionamento foi trazido ao controle comunitário e ativistas o transformaram em um oásis verde. Essa incubadora de estilos de vida alternativos resistem a crise grega através de espírito cívico e solidariedade usando prédios vazios como meios materiais para seu desenvolvimento.

Foto 6: Parque Navarinou em Exarchia, Atenas, estava vazio até ativistas locais o ocuparem para criar um espaço verde (foto por Jan)

Conclusão

Schönle apontou em seu relato sobre a abordagem russa sobre destruição e decadência, que “de algum modo, não podemos deixar as ruínas vazias e apenas deixá-las existir em sua materialidade muda. Nós precisamos fazê-las falar e militar por nossas teorias” (2006). Assumindo o risco da abstração excessiva em um tema carregado de tensões e ambiguidades que impedem qualquer interpretação fixa, o ensaio explorou brevemente como a ecologia social pode oferecer leituras alternativas sobre as ruínas, de seus significados e histórias, de suas ecologias e potenciais futuros.

A crítica da urbanização, focada no declínio de da vida cívica em sociedades modernas, desafiam a definição das ruínas em um tecido urbano onde o propósito histórico das construções é minado pelas forças do capitalismo. Entretanto, através de uma perspectiva eco-humanista, estes espaços se podem se tornar locais privilegiados na rearmonização da natureza e sociedade onde novas sensibilidades e narrativas podem emergir através de encontros transgressivos. Ruínas são então vistas como as bases onde a vida comunal pode emergir, das okupações em prédios abandonados e a renovação de vilarejos abandonadas para criação de uma cultura de solidariedade e auto-organização em uma vizinhança.

Pensar organicamente sobre ruínas complementa as narrativas focadas em seus simbolismos destrutivos e seu potencial para ‘iluminação profana’ e propõe interpretarmos as ruínas como bases materiais par construir comunidades e emancipação. Testemunhando tal dialética entre ideologia e materialidade mediada por agência humana, as ideias e imaginários que nós coletivamente decidimos adotar e atualizar é que vão determinar o pós-vida das ruínas que populam nossas paisagens serão de decadência entrópica, reavivamento comunal, ou algo entre os dois.

Foto 7: Parque de diversões abandonado em Lemery, Filipinas(por Fantasy Worl) .


Vamos reviver as ruínas!

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Bibliografia

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