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A Revolta dos Redneck: eles recrutam brancos da classe trabalhadora para destruir a própria noção de cultura branca.

Redneck Revolt

por Zenobia Jeffries, publicação original da REVISTA YES! em 05/12/2017.

Não há escassez de comentários de mídia para difamar as “políticas identitárias”, particularmente as que focam nas comunidades negra, latina, LGBTQ e imigrantes que pedem por justiça e equidade. A economia é o nosso problema real, diz o contra argumento, não a raça, sexo, gênero ou cidadania. Mas, como a autora Nancy Isenberg aponta em “White Trash”, “a identidade sempre foi uma parte da política”.

As leis foram escritas para oprimir e explorar identidades particulares – americanos indígenas, negros americanos, asiáticos, homossexuais, transgêneros e mulheres – em um esforço bem sucedido para manter um sistema de supremacia branca. No entanto, membros dessas comunidades trabalharam pelos direitos e a igualdade de todos. Por sua vez, aliados brancos se juntaram a essas lutas anti-racistas.

A “Revolta dos Redneck” (Redneck Revolt) é uma dessas organizações. O grupo auto-descrito como anti-capitalista, anti-racista e anti-fascista desafia a classe trabalhadora do povo branco a se opor à supremacia branca.

Eu conversei recentemente com Brett, um dos membros que lidera a sessão do Sudeste de Michigan da rede. (Por causa das hostilidades em relação à organização, os membros do Redneck Revolt usam apenas seus primeiros nomes em público.) Existem cerca de 40 sessões em todo o país. Ele explicou por que o grupo se concentra no anti-racismo e não na economia, embora busque pessoas da classe trabalhadora branca e pessoas pobres em áreas rurais economicamente comprometidas.

A entrevista foi condensada e editada levemente.

Zenobia Jeffries: Qual é o significado do nome “Revolta dos Redneck”? Por que o nome mudou do Clube de armas John Brown?

Brett: são dois lados da mesma moeda. Temos alguns ramos que ainda são o John Brown. Nossa rede nacional é a “Revolta dos Redneck”.

As sessões da Revolta do Redneck como a nossa aqui em Michigan se concentram principalmente em apoio e em ganhar corações e mentes, nos contra-recrutamentos, na divulgação, estando presentes, sendo aliados, estando onde precisamos estar para mostrar nosso suporte comunitário.

Já o clube John Brown praticamente só lida com o aspecto das arma de fogo. Trata-se de muita formação tática, e muita informação relacionada a segurança.

Jeffries: Você pode dar um exemplo do que você quer dizer com “mudança de corações e mentes”. O que isso significa?

Brett: Um excelente exemplo seria do último Junho. As pessoas do ACT for America [grupo anti-islâmico] fizeram uma passeata anti-lei de sharia. A Revolta dos Redneck estava lá. Estávamos de um lado das barricadas junto com uma série de outras organizações de esquerda. Do outro lado das barricadas estavam Proud Boys, Vanguard America, e uma mistura de outros grupos de direita (alt-right). Mas uma das mais proeminentes foi a Michigan Liberty Militia, que é famosa por ser racista e excludente.

No final da manifestação, um senhor idoso – ele era um homem branco mais velho na barricada, todo equipado e armado – estava com seu rifle. Um dos membros e eu fomos até esse cara dizendo tipo, “Eu até entendo que misturar Estado e a religião não é uma boa. Ninguém aqui quer misturar Estado e religião, ninguém está protestando contra isso. Mas isso é claramente anti-muçulmano. Este protesto é contra muçulmanos.”

“Além disso, é contra todas as minorias étnicas, porque esta vizinhança é de pessoas de primeira geração da Somália, pessoas de primeira geração vindas da África sub-saariana que estão fugindo da pobreza abjeta e da guerra, da fome, de doenças. Então, como você pode estar neste bairro e ficar nesse ‘Isso é o que a América representa’?

“Não apenas isso, se você olhar tanto para a esquerda ou para a direita, aquelas crianças com simbolos da roda do sol em seus escudos ou simbolos de águias em suas camisas, esses caras estão se autoafirmando nazistas literalmente. Nós lutamos uma guerra mundial contra isso. Eu pensei que todos nós já tinhamos concordado unânimamente de que os nazistas são ruins”.

E então aquele cara começou a se desarmar, e ele já estava tipo assim: “É, você sabe, eu vou te dizer que meu pai morreu na Segunda Guerra Mundial na Europa lutando contra nazistas”. E ele continuou: “Isso realmente me deu [algo a pensar sobre]. Você sabe que eu posso não concordar com tudo o que você diz. Mas me associar desse modo realmente me fez dar um tempo, e realmente me fez pensar sobre o que estou fazendo aqui”.

Não esperamos que ninguém, nos lugares onde estamos contra-recrutando, vá sair de lá agitando a bandeira vermelha da revolução. Mas se pudermos, pelo menos, afastá-los daquela forma de mentalidade, já é uma vitória para nós.

Jeffries: Uma das coisas que eu acho fascinante sobre a Revolta dos Redneck é que o seu principal foco é organizar os brancos da classe trabalhadora, mas você se concentram em questões de raça e anti-racismo quando fazem o trabalho de vocês. Muitos outros colocam o foco na economia, chamando o trabalho anti-racismo de “políticas identitárias”. Como vocês decidiram que queriam concentrar-se na quaestão da supremacia branca – que é um problema tanto para os brancos da classe trabalhadora quanto para minorias étnicas?

Brett: Nossa posição é que todo o nosso sistema capitalista é construído sobre uma base de supremacia branca e, como pessoas brancas, temos acesso a espaços que as minorias étnicas não tem. Então, tentamos explorar os espaços e colocar-nos nessas posições para alcançar a classe trabalhadora branca, porque é como os antigos IWW [Trabalhadores Industriais do Mundo – movimento sindicalista revolucionário] diziam: “Se não chegarmos a eles primeiro, a Klan [Ku Klux Klan – movimento nacionalista branco racista] irá”.

E nós entendemos que, se houver algum tipo de discurso sério sobre o desmantelamento do capitalismo, sobre a construção do novo mundo a partir das cinzas do antigo, como eles diziam, a materialização de algo assim não pode ser obtida até que a questão subjacente do racismo seja abordada.

É por isso que nós não nos envolvemos em questões judiciais. Acreditamos que a imposição da lei é uma extensão do antigo sistema escravocrata.

Nós não nos envolvemos com nada que reforce o sistema atual que basicamente foi construído sobre a supremacia branca. Nos esforçamos para desmantelar esse sistema e empoderar as pessoas para que nos ajudem a fazer isso, mas, ao mesmo tempo, usar os espaços para os quais temos acesso, para que outras pessoas também enxerguem isso.

E eu acredito que muitas pessoas com quem falamos geralmente não são racistas em um sentido convencional. Mas certamente se beneficiam desse sistema de supremacia branca que está aí construído. Eles não estão fazendo nada para realmente ajudar a desmontá-lo.

Então, essa é uma espécie de mensagem que tentamos trazer. Ninguém está dizendo [a eles], “Você é como os que queimam cruzes, você é ativamente racista”. Mas você deve reconhecer que … como pessoa branca na América, você está se beneficiando da supremacia branca.

Então, para abordar o capitalismo, para abordar a questões econômicas, a questão do racismo sistêmico deve ser abordada primeiro.

Jeffries: Eu imagino que quando vocês estão nesses espaços dizendo o que você está dizendo, as pessoas devem responder: “Mas os negros também são racistas”.

Brett: Sim, isso ocorre o tempo todo.

Por exemplo, falei com um sujeito outro dia. Ele dizia algo como, “Os negros têm um mês inteiro. Eles têm o mês da História Negra, onde não fazemos nada além de celebrar a história negra. Os negros têm seu próprio canal. As pessoas já estariam armadas se tivéssemos um canal de televisão “White Entertainment“. Esse é o tipo de coisa que ouvimos com mais frequência.

O que eu digo, em primeiro lugar, é que não existe uma cultura branca – isso é um mito.

Em segundo lugar, celebramos feriados brancos: Oktoberfest, Dia de São Patrício [St. Patrick’s], indiscutivelmente tem o Dia de [Cristóvam] Colombo. Sem mencionar que toda a nossa sociedade está inclinada a celebrar a branquitude. O que eu tento dizer às pessoas é: olhe para seus antepassados. A maioria das pessoas brancas pode apontar para uma única aldeia. Vou usar-me como exemplo. Posso apontar para uma única aldeia na Suécia. Eu sei exatamente de onde meu povo é. É por isso que eu tenho muito orgulho na minha herança escandinava.

Já com os negros – e outras minorias étnicas, mas especialmente os negros, a razão pela qual eles celebram a cultura negra é porque a sua cultura, e tudo que os negros tinham, foi arrancada deles quando foram tirados da África. Então é por isso que é comemorado; É por isso que é importante.

Porque é a contra-narrativa para centenas de anos de assassinato sistêmico, opressão, escravidão brutal simplesmente. É por isso que celebramos a cultura negra, porque é tudo que a maioria das pessoas tem.

A conversa que temos que ter é como podemos olhar para nós mesmos e dizer: “Estou me beneficiando desta cultura que foi construída para garantir que apenas as pessoas que se parecem comigo tenham vantagem”.

E, obviamente, o tema do privilégio aparece, e a maioria das pessoas brancas negará que tenham privilégio por ser branco. Eles vão dizer coisas como, “eu trabalhei muito pelas minahs próprias pernas” ou “Meu avô começou tudo com seu próprio negócio”.

É difícil tirar as pessoas dessa mentalidade.

Começamos a explicar-lhes que “eu tenho certeza que seu avô era um homem trabalhador, em nenhum momento duvido que ele o fosse. Mas dado o fato de que ele foi capaz de fazer isso e, dada aquela oportunidade, posso garantir-lhe que nos Estados Unidos do pós-guerra, um homem negro que se candidatasse àquele mesmo cargo definitivamente não o teria conseguido”.

Jeffries: Seguindo essa linha de raciocínio do “subi na vida por muito trabalho”, tenho certeza que você também ouve pessoas que dizem: “Por que nós, pobres brancos da classe trabalhadora, deveríamos nos preocupar com o que está acontecendo com os negros e outras pessoas de cor quando nós também estamos sofrendo?” Principalmente, quando a questão da criminalidade é levantada.

Brett: Nós recebemos muitas perguntas reacionárias, e isso nos mantém em estado de alerta. Mas isso acaba tornando nossa prática melhor. O que tentamos explicar é que as comunidades negras têm seus próprios conjunto de problemas, assim como outras comunidades também têm suas próprias dificuldades.

A diferença é que as comunidades brancas têm o apoio do Estado. Por exemplo, [quando] uma família negra se move para um bairro majoritariamente branco, então os valores imobiliários tendem a cair. Então, o que acontece? O Estado intervém e, em seguida, torna o preço habitacional tão alto que, assim, a família negra tem que sair. Esse é um exemplo de como o Estado apóia a supremacia branca. Eu já dei muito esse exemplo, e isso tende a ressoar com as pessoas.

Tenho a clareza para entender que eu sou homem com formação universitária … quem teve um número incontável de oportunidades que surgiram em meu caminho porque eu sou branco. E dadas as mesmas circunstâncias a um jovem negro, isso muito certemente não teria acontecido. É isso que eu tento explicar: as pessoas de minorias étnicas nos Estados Unidos categoricamente não têm as mesmas oportunidades que as pessoas brancas. Mesmo se você é branco pobre, o que muitos são.

Mas há sistemas agindo para garantir que eu tenha sucesso. Existem sistemas atuando que garantem que a contraparte negra não tenha. E é tudo arquitetado dessa maneira.

Até que nós, enquanto pessoas brancas, reconheçamos coletivamente que estamos nos beneficiando de um sistema de opressão, a economia se torna secundária ou terciária na melhor das hipóteses. Não tem sentido falar de economia quando as únicas pessoas para qual é direcionada essa tal economia são as pessoas brancas.

Jeffries: Eu li alguns artigos afirmando que a Revolta dos Rednecks não tem uma ideologia política. Mesmo que vocês não se alinhem com os partidos do status quo, seja os democratas ou os republicanos, suas ações e princípios são bastante políticas. Como você descreve sua política?

Brett: Estamos, falando de maneira geral, à esquerda. Somos o que chamamos de organização de “grande guarda-chuva”. Nós somos principalmente anarquistas, mas temos alguns comunistas em nossas fileiras, temos alguns democratas capitalistas, progressistas e republicanos, acredite ou não. Quero dizer, temos pessoas de todas as linhas políticas.

Dito isto, entendemos que não haverá nenhuma grande revolução amanhã. Mas a melhor coisa que podemos fazer além de uma revolução é a mudança revolucionária. Acreditamos que a mudança revolucionária vem na forma de desmantelar o sistema de supremacia branca que existe.

Jeffries: Qual é o objetivo final da Revolta dos Redneck?

Brett: parte dele é desmantelar a supremacia branca. Outra parte é criar espaços dentro das comunidades [onde podemos] para ajudar as pessoas a não contar com o Estado. Ajudamos a criar e encorajar espaços radicais que incentivem coisas como ajuda mútua e ação direta, ao invés de confiar no Estado por qualquer motivo.

Por exemplo, estamos trabalhando muito de perto com a IWW, uma das mais centrais sindicais mais antigas e radicais do país. Eles têm uma cozinha de sopa em Detroit, onde distribuem comida e roupas todo segundo e quarto domingo do mês no Cass Park. Fazem isso desde 1996, ou algo assim. Estamos tentando construir um modelo sustentável como aquele em Ypsilanti [em Michigan], especialmente para os próximos meses de inverno. Há outra organização chamada Michigan People of Defense [Povo do Michigan de Defesa], que faz muitos treinamento médico de rua. Há muitos de nós, incluindo eu, que têm experiência militar. Eu sou um salvavidas de combate, então eu tenho habilidades que eu posso ensinar às pessoas.

As pessoas ficam muito presas à questão das armas de fogo, mas também acreditamos que é muito importante que a classe trabalhadora seja armada. Nós também entendemos que isso coloca as pessoas de minorias étnicas em um risco muito alto. Então, tentamos colocar-nos na ponta da lança, de modo que podemos ensinar às pessoas o conhecimento que temos. Podemos mostrar-lhes a maneira segura de operar armas de fogo. Como usá-las, como segurá-las com segurança.

Em [uma comunidade], há um grupo de Hammerskins [um grupo da supremacia branca]. Eles basicamente patrulham o bairro, e nós temos pessoas de minorias étnicas por aí que estão temendo por suas vidas, e eles estão procurando a Revolta dos Redneck para ajudar a mostrar-lhes como usar armas de fogo.

Nós tomamos medidas pró-ativas, e se uma comunidade precisa de nós, eles sabem que podem contar conosco, e em um instante, estaremos lá para ajudar no que puder.

O grande ponto é a construção de ajuda mútua, espaços radicais dentro das comunidades existentes para não ter que confiar no Estado, e ao fazê-lo, tentamos desmantelar o sistema de supremacia branca.

Pensamos que, ao fazer isso, um ponto meio que complementa o outro.

Jeffries: A campanha Trump para a presidência foi o catalisador da Revolta do Redneck?

Brett: Nós já estávamos por aí, só que as pessoas não nos conheciam. E esse é provavelmente um dos problemas que enfrentamos, é que as pessoas não sabem que nós existimos. E eu quero dizer que é culpa nossa, mas fazemos as coisas muito intencionalmente.

Não temos muita presença de mídia social, e nós fazemos isso de propósito porque não temos interesse em ficar atolados em guerras de spam na internet. Se você tiver uma crítica legítima de nossas práticas, nos encontre nas ruas, conte-nos o que estamos fazendo de errado. E se a sua ideia for melhor, então incorporaremos a sua ideia. É assim que operamos.

Sentimos que somos uma organização cujo sentido é estar nas ruas junto às pessoas fazendo coisas, fazendo diferenças na vida das pessoas, não sentadas atrás de um teclado chorando sobre capitalismo.

Você pode ser de qualquer [ideologia] que deseje. Se você concorda com o fato de que o capitalismo é um sistema de opressão, e esse sistema de opressão é amplamente sustentado pela supremacia branca, e você está disposto a desmantelar esse sistema, então seja bem-vindo a bordo.

Jeffries: qual seria a sua mensagem para as classes média e média alta, para a chamada elite intelectual branca / progressistas / liberais que descartam os pobres rurais e os brancos da classe trabalhadora simplesmente como sendo partidários de Trump?

Brett: O principal problema é que eles saiam da sua bolha de conforto. Eles ouvem a palavra “redneck” e não vêem isso através da [mesma] lente que nós vemos.

A palavra “redneck” sempre foi usada pejorativamente, mas não a vemos assim. Olhamos para nossos avós, bisavós e trisavós e compreendemos por que eles foram chamados de “rednecks“. Você olha de volta para as guerras do Condado de Harlan, e aquelas pessoas usavam bandanas para manter o sol fora do pescoço, e é aí que o termo “redneck” vem. Nós abraçamos esse termo e dizemos: “Sim, é o que somos. Somos pessoas da classe trabalhadora que estão nas ruas”.

Se você puder tirar a viseira, você verá que … seu conforto ainda é construído em um sistema de supremacia branca. Seu conforto e as coisas que você está desfrutando são um subproduto dos 150 anos de luta da classe trabalhadora. Se você gosta dos fins de semana, agradeça um sindicalista. Você gosta de sua semana de trabalho de 40 horas, se você gosta que não haja crianças escravizadas nas fábricas têxteis, agradeça a um trabalhador sindicalizado.

Foram as pessoas da classe trabalhadora que trouxeram essas mudanças. Não foi [o] burguês da classe média que trouxe essa mudança. As pessoas da classe trabalhadora lutaram nas ruas. Isso é o que somos, é o que fazemos.

Zenobia Jeffries escreveu este artigo para Revista YES! Zenobia é editora associada de justiça racial. Siga-a no Twitter @ZenobiaJeffries.

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Written by Mauro Cardoso

Médico Epidemiologista e Estatístico, atua na área de saúde pública estudando os cavaleiros do apocalipse: a peste, a fome e a guerra.